Momentos
Por Antonio Fernandes
Do topo da árvore vejo um por do sol.
Ele desce atrás das montanhas, e um bando de pássaros voa em cardume por sobre a copa das árvores mais baixas. O mundo cheira mais puro aqui, posso quase sentir o cheiro de ar fresco.
Tenho um nó na garganta e meus pés balançam. Quando foi a última vez que tive essa sensação? Sim! Posso me lembrar. Os balanços da escola antes que tudo desse errado e eu cometesse o erro de me tornar maduro. Era simples a vida quando era inocente demais pra diferenciar absurdos da normalidade. A normalidade entediante do mundo. Tudo acontecendo de novo e de novo e de novo e cada pedaço diferente do dia é igual ao último pedaço diferente de dia. Quando é que passamos a abandonar nossa criatividade e paixão pelo mundo e entramos nessa saga de normalidade? Podia voltar no tempo, agora que me desapeguei do tempo, e dizer a mim mesmo que não crescesse.
Mas não foram maus bocados os que vieram depois. Deus! Como é um caos ser um pré-adolescente! Digo, ter pais separados, um avô morto, repetir na escola e ser desprezado pelas mulheres não é ruim o bastante quando você chega um dia em casa e descobre que seus vizinhos envenenaram seu cachorro. Todas as merdas explicam o quão frustrado e traumatizado e revoltado fiquei naqueles dias de inverno em que escalava um morro perto daqui, fumava cigarros amassados, tomava qualquer lixo de merda com alcool e chorava me perguntando porque tudo tinha que acontecer comigo. Eram momentos especiais aqueles, de agonia, de dor. Eu pensava que sabia o que era dor, mas mau sabia que a vida mau começava e quanta dor eu iria sentir daí em diante.
Contudo fui enganado. A vida pregou-me uma peça por ter me dado a luz, antes da escuridão. A balança gira quando perdemos a virgindade. Lembro-me bem dos olhos dela, negros me encarando na escuridão enquanto fazia o que pensava ser o certo. Levei quase 1 minuto pra enfiar a camisinha, depois de 6 meses, 12 dias e um último gás de 4 horas bêbados numa festa do primo de um amigo meu pra convencer minha namorada (eu jurava que era um namoro sério!) a perder a virgindade comigo. Ela tinha certeza que eu não era virgem, claro. Todos os garotos da escola não eram virgens naqueles tempos e eu não podia me passar por virgem. O sexo durou algo como 5 minutos, ela começou a chorar, fiquei apavorado e larguei ela lá.
Não falei com ela nunca mais. Aliás foi assim que terminamos. Ali se iniciava uma fase quase boa da minha vida, quando entrei pra faculdade e pude finalmente ser livre. Meus pais não me enchiam o saco, agora eu tinha um carro e toda a liberdade que meus trocados podiam me proporcionar! Demorei três anos e meio pra perceber que havia atravessado 7 períodos e não havia aprendido absolutamente nada, tinha comido pelo menos quarenta mulheres diferentes e seria um profissional miserável só por ter procrastinado nos anos que deveria ter dado duro. Chorei de tristeza em minha formatura, e não de alegria como todos pensaram, por saber naquele momento que seria um cara normal, mais um, pelo resto da carreira e não o grande homem que planejei pra mim antes de entrar lá.
Você descobre que a vida é absurdamente entediante depois que sai da faculdade. Aquela velha turma que prometeu se manter unida pra sempre desapareceu. Sexo já não é tão fácil porque não há festas com pessoas conhecidas das quais você pode ir. As baladas funcionam na base de dinheiro e você precisa desesperadamente de grana pra bancar as noites caras pra correr o risco de comer uma garota as vezes. É mais barato comer uma puta, sim, e as vezes nos momentos de desespero é isso que fazemos. Me lembro da primeira vez que paguei por sexo. A situação fria, o momento constrangedor em que olhamos nos olhos dela pela primeira vez. Elas tentam resolver tudo e fazer você se sentir a vontade, mas você sabe que ela só está fazendo aquilo pra te deixar melhor. Ela é uma mercadoria por escolha própria (ou não, descobrimos depois) e você é só um comprador. Ela te chupa com camisinha e você descobre a primeira coisa mais sem graça do mundo depois da Fátima Bernardes. Te chupa por tempo suficiente pra decidir só come-la e gozar logo. Ela pega os trocados e vai embora. Então vem de novo, aquele momento da vida em que você senta na cama, olha pela janela do hotel com uma coca-cola de frigobar e repensa toda a sua vida.
Então conheci uma garota que o primo da minha melhor amiga (friendzone!) me apresentou. Ela não era a garota mais especial do mundo. Provavelmente estava num momento da vida parecido com o meu, já que era entediante conversar com ela tanto quanto eu sabia que meu papo era entediante. Um belo dia começamos a fazer sexo sem camisinha, e num belo dia ela me disse que já não menstruava haviam três semanas, e num belo dia eu descobri que ia ser pai.
Aqui desta árvore, vendo o sol se por repensando meus dias, sinto vontade de chorar lembrando de como foi confuso, translúcido, e ao mesmo tempo sensacional a sensação de saber que seria pai. Verdade seja dita, eu estava apavorado. Não tinha algo que podia ser chamado de emprego, minha kitnet mau podia ser chamada de casa e o carro que meus pais me deram no começo da faculdade ainda estava lá, com 7 anos de vida e quase mais problemas que eu.
Juntamos nossas pobrezas, tivemos um casamento (bonitinho, bancado pelos pais dela) e fomos morar num apartamento minúsculo. Arrumei um segundo emprego pra bancar uma ama de leite, já que ela não conseguia amamentar. Acabei mantendo os dois empregos de merda e não crescia em nenhum dos dois. Nas férias eu fazia o bico que podia. Tédio, tédio, tédio. Todos os dias, tédio. E então entrei na depressão. Em que merda de vida eu havia me metido? Pensei que aquilo fosse passar. Pensei que aquilo fosse suficiente mas não. Todos os dias me levantava querendo morrer. Não aguentava fazer sexo, não via meu filho por falta de tempo. Não era um bom pai. Ele passou por fases da vida parecidas com as minhas, provavelmente. Principalmente pelo que vi dos poucos momentos que tive. Uma infância inocente enquanto mau percebia que eu mau existia pra ele. Uma adolescência revoltada quando quase me matou jogando uma garrafa de conhaque na parede. Uma faculdade onde basicamente vivia de me pedir dinheiro.
O tédio continuava me consumindo, eu precisava sentir, precisava de alguma coisa que me fizesse ter aquelas sensações de novo. A sensação de viver. Como quando era criança, como quando tinha meus problemas de pré adolescente, como quando perdi a virgindade, como quando chorei pelo meu diploma. Tudo que eu queria era sentir vida novamente e agora finalmente consegui.
A ideia veio num dia qualquer. Depois de ser torrado por um chefe senti vontade de me pendurar pelo pescoço. A ideia veio como uma brisa e se foi como uma brisa. Quando meu filho jogou a garrafa na parede ela veio novamente, num sopro. Estava lá, mas num segundo não estava. Então numa terceira vez, quando minha mulher, gritando comigo sobre porque eu havia deixado os malditos cigarros dela no carro e não subido com eles, como era minha obrigação, falou que o maior erro da sua vida foi ter me conhecido, e veio de novo aquela vontade, aquela fagulha de vida de me pendurar. Eu sabia, eu sentia que se me matasse (o que não era muito difícil, já que ao que tudo indicava, já estava morto) eu finalmente sentiria de novo. Sentiria a vida fluir pelas minhas veias e de certa forma teria de volta todos os anos da vida que perdi. Todos aqueles instantes de depressão. Todas aquelas derrotas e fracasso pelos quais passei.
Então quando meu filho finalmente se mudou e não dependia mais das minhas custas e minha mulher entrou com pedido de divórcio (provavelmente descobrindo aquele ser o melhor momento como eu, para escapar da desgraça duma maneira diferente) eu decidi que era a hora. Vim pra cá, num vale perto da casa em que cresci, subi nessa árvore que me lembrava de quando era criança (naquele galho eu pendurei o balanço em que quebrei a perna). Subi nela, devo dizer, com menos destreza com que subia quando tinha menos de um metro e cinquenta. Trouxe aqui a corda e os meus cigarros. Fumei a tarde toda o maço inteiro enquanto olhava o sol descer, e agora em que ele se põe, agora em que o sol morre, creio que chegou o momento pelo qual esperei pelos últimos muitos anos:
Vou viver de novo.
Do topo da árvore vejo um por do sol.
Ele desce atrás das montanhas, e um bando de pássaros voa em cardume por sobre a copa das árvores mais baixas. O mundo cheira mais puro aqui, posso quase sentir o cheiro de ar fresco.
Tenho um nó na garganta e meus pés balançam. Quando foi a última vez que tive essa sensação? Sim! Posso me lembrar. Os balanços da escola antes que tudo desse errado e eu cometesse o erro de me tornar maduro. Era simples a vida quando era inocente demais pra diferenciar absurdos da normalidade. A normalidade entediante do mundo. Tudo acontecendo de novo e de novo e de novo e cada pedaço diferente do dia é igual ao último pedaço diferente de dia. Quando é que passamos a abandonar nossa criatividade e paixão pelo mundo e entramos nessa saga de normalidade? Podia voltar no tempo, agora que me desapeguei do tempo, e dizer a mim mesmo que não crescesse.
Mas não foram maus bocados os que vieram depois. Deus! Como é um caos ser um pré-adolescente! Digo, ter pais separados, um avô morto, repetir na escola e ser desprezado pelas mulheres não é ruim o bastante quando você chega um dia em casa e descobre que seus vizinhos envenenaram seu cachorro. Todas as merdas explicam o quão frustrado e traumatizado e revoltado fiquei naqueles dias de inverno em que escalava um morro perto daqui, fumava cigarros amassados, tomava qualquer lixo de merda com alcool e chorava me perguntando porque tudo tinha que acontecer comigo. Eram momentos especiais aqueles, de agonia, de dor. Eu pensava que sabia o que era dor, mas mau sabia que a vida mau começava e quanta dor eu iria sentir daí em diante.
Contudo fui enganado. A vida pregou-me uma peça por ter me dado a luz, antes da escuridão. A balança gira quando perdemos a virgindade. Lembro-me bem dos olhos dela, negros me encarando na escuridão enquanto fazia o que pensava ser o certo. Levei quase 1 minuto pra enfiar a camisinha, depois de 6 meses, 12 dias e um último gás de 4 horas bêbados numa festa do primo de um amigo meu pra convencer minha namorada (eu jurava que era um namoro sério!) a perder a virgindade comigo. Ela tinha certeza que eu não era virgem, claro. Todos os garotos da escola não eram virgens naqueles tempos e eu não podia me passar por virgem. O sexo durou algo como 5 minutos, ela começou a chorar, fiquei apavorado e larguei ela lá.
Não falei com ela nunca mais. Aliás foi assim que terminamos. Ali se iniciava uma fase quase boa da minha vida, quando entrei pra faculdade e pude finalmente ser livre. Meus pais não me enchiam o saco, agora eu tinha um carro e toda a liberdade que meus trocados podiam me proporcionar! Demorei três anos e meio pra perceber que havia atravessado 7 períodos e não havia aprendido absolutamente nada, tinha comido pelo menos quarenta mulheres diferentes e seria um profissional miserável só por ter procrastinado nos anos que deveria ter dado duro. Chorei de tristeza em minha formatura, e não de alegria como todos pensaram, por saber naquele momento que seria um cara normal, mais um, pelo resto da carreira e não o grande homem que planejei pra mim antes de entrar lá.
Você descobre que a vida é absurdamente entediante depois que sai da faculdade. Aquela velha turma que prometeu se manter unida pra sempre desapareceu. Sexo já não é tão fácil porque não há festas com pessoas conhecidas das quais você pode ir. As baladas funcionam na base de dinheiro e você precisa desesperadamente de grana pra bancar as noites caras pra correr o risco de comer uma garota as vezes. É mais barato comer uma puta, sim, e as vezes nos momentos de desespero é isso que fazemos. Me lembro da primeira vez que paguei por sexo. A situação fria, o momento constrangedor em que olhamos nos olhos dela pela primeira vez. Elas tentam resolver tudo e fazer você se sentir a vontade, mas você sabe que ela só está fazendo aquilo pra te deixar melhor. Ela é uma mercadoria por escolha própria (ou não, descobrimos depois) e você é só um comprador. Ela te chupa com camisinha e você descobre a primeira coisa mais sem graça do mundo depois da Fátima Bernardes. Te chupa por tempo suficiente pra decidir só come-la e gozar logo. Ela pega os trocados e vai embora. Então vem de novo, aquele momento da vida em que você senta na cama, olha pela janela do hotel com uma coca-cola de frigobar e repensa toda a sua vida.
Então conheci uma garota que o primo da minha melhor amiga (friendzone!) me apresentou. Ela não era a garota mais especial do mundo. Provavelmente estava num momento da vida parecido com o meu, já que era entediante conversar com ela tanto quanto eu sabia que meu papo era entediante. Um belo dia começamos a fazer sexo sem camisinha, e num belo dia ela me disse que já não menstruava haviam três semanas, e num belo dia eu descobri que ia ser pai.
Aqui desta árvore, vendo o sol se por repensando meus dias, sinto vontade de chorar lembrando de como foi confuso, translúcido, e ao mesmo tempo sensacional a sensação de saber que seria pai. Verdade seja dita, eu estava apavorado. Não tinha algo que podia ser chamado de emprego, minha kitnet mau podia ser chamada de casa e o carro que meus pais me deram no começo da faculdade ainda estava lá, com 7 anos de vida e quase mais problemas que eu.
Juntamos nossas pobrezas, tivemos um casamento (bonitinho, bancado pelos pais dela) e fomos morar num apartamento minúsculo. Arrumei um segundo emprego pra bancar uma ama de leite, já que ela não conseguia amamentar. Acabei mantendo os dois empregos de merda e não crescia em nenhum dos dois. Nas férias eu fazia o bico que podia. Tédio, tédio, tédio. Todos os dias, tédio. E então entrei na depressão. Em que merda de vida eu havia me metido? Pensei que aquilo fosse passar. Pensei que aquilo fosse suficiente mas não. Todos os dias me levantava querendo morrer. Não aguentava fazer sexo, não via meu filho por falta de tempo. Não era um bom pai. Ele passou por fases da vida parecidas com as minhas, provavelmente. Principalmente pelo que vi dos poucos momentos que tive. Uma infância inocente enquanto mau percebia que eu mau existia pra ele. Uma adolescência revoltada quando quase me matou jogando uma garrafa de conhaque na parede. Uma faculdade onde basicamente vivia de me pedir dinheiro.
O tédio continuava me consumindo, eu precisava sentir, precisava de alguma coisa que me fizesse ter aquelas sensações de novo. A sensação de viver. Como quando era criança, como quando tinha meus problemas de pré adolescente, como quando perdi a virgindade, como quando chorei pelo meu diploma. Tudo que eu queria era sentir vida novamente e agora finalmente consegui.
A ideia veio num dia qualquer. Depois de ser torrado por um chefe senti vontade de me pendurar pelo pescoço. A ideia veio como uma brisa e se foi como uma brisa. Quando meu filho jogou a garrafa na parede ela veio novamente, num sopro. Estava lá, mas num segundo não estava. Então numa terceira vez, quando minha mulher, gritando comigo sobre porque eu havia deixado os malditos cigarros dela no carro e não subido com eles, como era minha obrigação, falou que o maior erro da sua vida foi ter me conhecido, e veio de novo aquela vontade, aquela fagulha de vida de me pendurar. Eu sabia, eu sentia que se me matasse (o que não era muito difícil, já que ao que tudo indicava, já estava morto) eu finalmente sentiria de novo. Sentiria a vida fluir pelas minhas veias e de certa forma teria de volta todos os anos da vida que perdi. Todos aqueles instantes de depressão. Todas aquelas derrotas e fracasso pelos quais passei.
Então quando meu filho finalmente se mudou e não dependia mais das minhas custas e minha mulher entrou com pedido de divórcio (provavelmente descobrindo aquele ser o melhor momento como eu, para escapar da desgraça duma maneira diferente) eu decidi que era a hora. Vim pra cá, num vale perto da casa em que cresci, subi nessa árvore que me lembrava de quando era criança (naquele galho eu pendurei o balanço em que quebrei a perna). Subi nela, devo dizer, com menos destreza com que subia quando tinha menos de um metro e cinquenta. Trouxe aqui a corda e os meus cigarros. Fumei a tarde toda o maço inteiro enquanto olhava o sol descer, e agora em que ele se põe, agora em que o sol morre, creio que chegou o momento pelo qual esperei pelos últimos muitos anos:
Vou viver de novo.
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