Fraya e Corvo

Por Antonio Fernandes e Rafaella Momsen

Essa é uma nova história no mundo de Sárula e o Criador e Marte e o Jardim de Rosas

Caso não tenha lido o primeiro, confira-o aqui.
Caso não tenha lido o segundo, deleite-se.


Era um mundo de nuvens.

Numa imensidão azul em todas as direções.

As nuvens brancas como algodão salpicavam no céu, o infinito. Não havia chão, não havia fim.

No centro de tudo havia uma garota. Sua pele âmbar aparentava ser mais clara do que de fato era. A claridade do paraíso clareava sua alma. Trazia paz ao seu coração. Seu braço direito, de cristal, parecia uma extensão daquele imenso céu. Curtos cabelos cacheados dançavam com a brisa invisível. Sua boca abençoada com lábios carnudos trazia consigo um leve e belo sorriso.

Então seus olhos se abriram. Como um sol para aquele infinito azul. Bordas douradas que poderiam aquecer o mais frio coração, a iris banhava a alma calma e graciosa da moça. Então ela caiu de sua meditação, o que tanto a fazia flutuar sumiu, e ela despencou na imensidão.

E seus olhos abriram novamente. Aquele sonho. Podia sentir o frio em seu estomago. O medo e a paz.

O tormento e a alegria. Sentimentos estranhos se misturavam e ela não fazia a minima ideia de o que pensar sobre aquilo.

Tinha sonhos reveladores, tanto do passado como do futuro. Mas aquele em especifico, aquele sonho ela não compreendia e nem se quer ousava dizer que algum dia em sua miserável vida poderia ser capaz de entender a grandiosidade desse mistério.





respirou fundo, chovia la fora. A noite era densa e os monstros da floresta vagavam a procura de carne fresca. Ela deitou-se novamente e fechou os olhos, podia ouvir o vento uivar e a chuva banhar a terra fresca, fazendo que um delicioso cheiro vagasse pelos quatro cantos daquela floresta.

seus olhos cansados se fecharam e ela voltou ao seu estado de paz.



A chuva acertava-lhe e O ensopava. Sentado olhava a cabana e sorria. Mais uma de suas criações. Uma garota capaz de olhar o passado. Uma garota capaz de prever o futuro. Alguém que sabia tudo que estava por vir e o que já veio. Presa ao presente com seu terceiro olho capaz de ver além.

Sorriu. Colocou o capuz por sobre a cabeça. Sacou o lápis do bolso e escondeu sua porta dourada como pode. Estava na hora de direcionar sua criação aos planos que traçou a ela.

Caminhou em direção a cabana e bateu na porta.

Knock Knock.

O som oco poderia muito bem ser abafado pela chuva forte que caia, mas a cada batida os ouvidos de Fraya ardiam. Seus olhos sonolentos abriram lentamente e a batida que ficava cada vez mais estrondante à assustou derrubando-a da cama imediatamente.

Atordoada pensou ''quem poderia ser? No meio da noite?'' sem pensar muito ela agarrou a faca mais próxima e se direcionou para a porta.
- Quem esta ai?

- Está chovendo muito aqui, será que eu poderia me abrigar pela noite?

Fraya respirou fundo e abriu uma fresta para espiar o convidado, com o capuz sobre a cabeça ele realmente parecia precisar de ajuda. Deixando de lado suas paranoias abriu a porta e o deixou entrar.

- Graças aos Criadores! O mundo explodiu lá fora. A vida não é mais como devia ser. Muitíssimo obrigado! Você não teria uma lareira onde eu poderia me aquecer teria?

Sentia-se tímida. Há muito tempo não havia tido visitantes e não tinha sonhado com esse momento. Mas ela tentou ao máximo se manter calma. Apontou para uma lareira simples e disse:

-Pode ascender, tem lenha seca ali ao lado.

Sacou o lápis do bolso e de onde estava desenhou fogo. Deleitou-se com o rosto da garota, que ao mesmo tempo chocada com o que fizera já sabia que aquilo estava para acontecer. Um misto de confusão com o inusitado e com sua própria percepção do inusitado.

Sentou-se, retirou o capuz e estendeu as mãos ao calor. Tinha olhos vermelhos e uma fisionomia ao mesmo tempo que bela, misteriosa.

-Obrigado.

- Quem... quem é você?

Deu uma risada larga e estrondosa.

-Essa é de fato minha cara, uma boa pergunta. Eu venho me perguntando isso a bastante tempo. Um amigo certa vez viajou ao Sol para procurar essa resposta mas infelizmente não voltou pra me contar. Sei que sou. Que penso, logo existo. Mas não sei muito mais do que isso. Uma pergunta muitíssimo mais interessante caríssima, é quem é você.

- No fundo temos que ser alguma coisa, certo? Eu vivo aqui desde que me lembro e neste momento julgo essa a única coisa q você deve saber por enquanto. Podes descansar e se esquentar no fogo, voltarei a dormir.




Assistiu a garota deitar novamente. Ao pé da lareira ficou até que suas roupas estivessem secas e seu corpo quente. Quando a chuva passou, um gato surgiu pela janela, circulou pela casa e terminou se esfregando em suas pernas e dormindo no seu colo. Horas depois se levantou, pegou água, escolheu algumas folhas, aqueceu a água e fez chá. Os pássaros começaram a cantar e o sol nasceu quando a garota acordou.

Enquanto isso ela tinha outro sonho estranho. Uma nuvem negra banhava o céu e destruía tudo que ficava a sua sombra. Frio. Inverno. Deserto. Floresta. Um planeta de cristal. Novamente não entendia o significado, mas não demoraria muito para que essa cena mudasse. Sentiu o cheiro de erva doce, se levantou com o corpo pesado e assustou-se ao ver um homem em sua cozinha, demorou três segundos para se lembrar do ocorrido na madrugada.

Respirou fundo e se levantou. Estava ardendo em febre por algum motivo e seu corpo pesava uma tonelada, mas lidaria com isso depois. Primeiro o estranho.

Deixando de lado toda a sua luta interna ela encarou o papel de garota sadia e parecia estar bem quando se aproximou do visitante.

- Como eu deveria lhe chamar?

- Nomes dizem muito sobre as pessoas e as vezes limitam a verdadeira complexidade do que elas são. Já fui chamado de muitas coisas. Maldosas na maioria das vezes, mas mereci a maioria delas. Meu nome verdadeiro é extenso e complicado demais pra ser expressado na língua em que estamos nos falando. Você pode porém, me chamar de Criador, que é como a maioria de vocês nos chamam, apesar deste ser um nome bastante limitado. Fraya desculpe-me. Porque você me faz perguntas que já sabe a resposta? Você sabia de tudo isso antes que eu lhe falasse, bem como sabe que não bati na sua porta em vão.

- Não, eu não sei. Por mais que o passado e o futuro possam não ser tão misteriosos para mim, ainda são uma incógnita. Porque agir como se eu já soubesse de tudo se eu posso seguir o papel que me foi dado? Porque pular as etapas? Te chamarei de Thaddeus.

- Não sou tão pretensioso assim. Na maneira como as coisas vão você é capaz de prever o que direi a seguir, é capaz de saber que não sou um estranho qualquer, mas não consegue ver muito além exceto por sonhos. Tudo parece nublado mas você, cara Fraya, consegue perceber o que está além do nublado não consegue? Vim aqui te ajudar a ver além do nublado. Vamos descobrir as respostas do futuro juntos. Voce e eu. Thaddeus poderia muito bem ser o nome do seu gato - Novos risos estrondosos - Por favor, me chame apenas de Criador.

- Não estamos destinados, você trás muita dor que eu prefiro não sentir. Não irei te chamar assim.

- Fugir do seu destino não irá evita-lo. Você melhor do que ninguém sabe que há um curso a ser seguido.

Fraya se aproximou do estranho deixando seus rostos a centímetros de distância.

- Thaddeus combina com você.

O hálito quente, beijou o rosto do estranho que se chamava de Criador.

- o gato é felpudo.

Assim ela virou de costas e caminhou até sua cama, às vezes ela se apoiava na parede, estava com frio, muito frio. Pegou as roupas mais quentes que tinha e vestiu. Mesmo que o sol banhasse a terra e esquentasse os corpos ela estava ali, com roupas para neve, ainda com frio.

- A erva amarela que cresce do outro lado da estrada acalma febre, você sabe. Bom, se você deseja evitar seu destino evite-o. Vou esperar que você decida que quer aprender por si só. Tome aqui essa flauta - e com o lápis desenhou uma flauta - Assopre três vezes e eu voltarei. Vou-me indo. Tenho outros assuntos urgentes com que tratar enquanto você decide se quer suas visões nubladas ou não. A propósito, as folhas amarelas acalmam a febre, mas do outro lado da colina passando o riacho há uma árvore de frutos prateados que as curam por completo. Bon voyage Fraya, e cuidado com os animais selvagens. Obrigado pelo calor e pelo chá! Seu gato é especialmente amoroso. Até logo Thaddeus!

E dizendo isso saiu pela porta e desapareceu por uma segunda porta.

Fraya sabia o que era aquela febre, já havia sentido ela antes. Ali, deitada na cama, ela respirava com dificuldade. Logo perderia a consciência mas não se importava.  Não se importava com mais nada. Havia passado toda sua vida ali, naquela cabana, vendo o mundo inteiro através de seus sonhos, mas nunca pode vivê-los. Sempre que tentou sair da floresta retornava para a cabana. Aquele rapaz poderia lhe fornecer a saída, porém poderia ela ser melhor ou pior? Para que arriscar? Suas visões era confusas o suficiente para que ela não entendesse onde tudo aquilo terminaria.

Seu corpo aos poucos se enfraquecia e sua mente se desligava.

Estava novamente flutuando naquele infinito, sozinha. Um planeta de cristal. Um deserto. Um navio cortava um grande oceano.

Um corvo pousou na janela segurando uma erva amarela pelo bico.

Sonhou.

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