Espíritos

Por Antonio Fernandes

Levantei as duas
obsessão atravessa minha mente
mergulho madrugada a dentro
contido e reprimido
com medos de violencia
de ser agredido
de ser morto
penso elaboro
vingança e defesa
vãs
que importa se eu estiver apagado?
nada mais importa
as quatro me levanto
desisto do descanso
atravessarei um dia de trabalho bom
invernado em taurina

nu
caminho pela casa vazia
o corpo quente da cama
pensamentos frios na mente
o motoqueiro atira jornais
atira-os
atira-os
eu atiro à mim mesmo
vejo as cicatrizes
das láminas que me deceparam
e penso
como me deixei ir tão longe?
a lua me sorri
sempre que me sorri
percebo ela ser o gato
que deu direção à Alice
quando ela lhe perguntou que caminho
tomar
em riso ele a perguntou
onde queria chegar
a garota nao sabia
nua na varanda fumando cigarros
e o gato lhe disse que ora
entao qualquer caminho serve
qualquer caminho serve

sinto espíritos à minha volta
posso dizer muito de espiritos
tenho-os sentido a vida toda
presenças contidas nos espaços do tempo
amarguradas na umbra perdidas e que
fogem da luz
amarrados ao nosso plano
incapazes de seguir viagem
na trilha do universo
tive medo deles
por muito tempo tive medo dos espíritos
eu já não dormi no escuro
quando mais novo
com medo deles, acredita?
risos
em tempos mais tenebrosos
de adolescencia
quando esses espíritos eram muitos
meu primeiro guia me protegeu
o Exu da Meia Noite
um fazendeiro que foi terrível em vida
e amargurado desencarnado
que carrega a sina de ser o mau em meio
ao bom
o Exu espantou os espíritos para mim
por alguns anos
até que eu me iluminasse
e recebesse meu segundo guia
meu anjo da guarda
que me trouxe novamente a caminhos bons
com os dois
poucas vezes esses espíritos me atormentaram
por fim
minha terceira guia
Angela
que conheci em Hoffman
a astronauta
me levou a planos ainda maiores
e lá me fez ver que esses espíritos
não são maus
são perdidos
almas perdidas que vagam na terra
presos  desencarnados
incapazes de tocar viagem
rumo ao destino
então enlouqueci
perdi razão de minha razão
afundei crônico e fui me juntar a eles
eu encarnado
era o espírito vagante
eles estavam lá
eu percebi que
nos momentos de loucura
eles me infestavam
haviam dezenas deles
eles dançavam
eles gritavam
eles apostaram
que eu iria me matar
jogaram comigo
e alguns de profundezas piores
ascenderam até
este plano desencarnado
para vencer suas próprias apostas
e fui posto de prova
em desventura pós desventura
apostaram no suicídio
por isso enlouqueci
venci essa aposta
eventualmente
e o jogo foi desfeito
a maré passou
e os espíritos ainda estão por aqui
os percebo pelos cantos, pelos corredores
da noite
nos lugares vazios eles estão
preenchendo
conheci um deles encarnado
que desencarnado falou comigo
veio com violencia em minha direção
e deixei que ele visse
tudo o que vi
e ele ficou então
em choque
e se perdeu
conectado a mim, por este fio de paixão e ódio
que sinto por sangue dele
ele não se desapega a mim
já lhe disse que seguisse em diante
mas ele sabe do terror do futuro que assombra
o sangue
e não consegue seguir
ele,como outros
vagueiam
tentam proteger o improtegível
tentam estar presentes em vida
quando já estão mortos
assistem o terror dos vivos
incapazes
hoje mais que nunca vejo
como o destino é fatal
as maldades e os crimes voltam
há uma criança desencarnada
que em passe me perdoou
e voou
ela passou tempo comigo
e enquanto comigo tudo de ruim
me acometeu
uma criança desencarnada
é um ser de poder enorme
capaz de arregimentar milhares de espíritos
em festa
eles são atraídos pelo caos dos vivos
pois estão presos ao próprio caos
de quando eram eles os vivos
sentem cheiro do injusto
e por isso o rodeiam
e houve deveras
injustiça em minha história
estou nu
fumando meu cigarro
vendo o gato me sorrir
o motoqueiro joga jornais
e toda essa legião me cerca
voce,ouvindo-me te contar
pode pensar que estou com medo
mas não estou
tive tres guias
meus guias se foram
não tenho mais anjo,exu ou protetora
hoje tenho uma legião de espíritos
que me acompanham
eles apostaram moedas em meu suicídio
hoje me defendem com respeito
como alguém que lhes enxerga
e vê a dor que eles sentem
que sabe que todas as tormentas que eles
passaram
foram se não fruto do desfortúnio
do destino
que nos joga fardos maiores
do que conseguimos carregar
e depois nos cobra justiças
que somos incapazes de pagar
a natureza dos cosmos
foi feita de tal forma que ainda
não consegui entender
este que dizem Deus
que fundou estas regras
só poderia estar louco
há maldade demais operante
e não são os mortos que devem
meter-lhe medo
eu sei
passei tempo louco
convivi com mortos em vida
eu sei
quem deve meter-lhe medo
são os vivos
voltei aos vivos
eu sei
somos os que verdadeiramente
estão neste momento postos como
cartas
a jogar esse jogo da vida
vejo cartas baixas, vejo cartas altas
cartas fortes e fracas
e desde que me fiz coringa
habito o meio de todos
eu nem sou o espírito
mas sou
nem sou o que está vivo
mas sou
sou a carta torta
que completa qualquer mão
e se um dia o Exu da Meia Noite
o Coronel em vida, que estuprou e matou
e que se arrependeu em morte
se tornou o guia das trevas a guiar
almas decaídas aos planos bons
me protegeu e me acolheu
por tantos anos
tomo eu o seu papel
neste momento de dor
Transfiguro-me em em Exu
e venho ajudar almas que
em vida ou em morte
precisem que lhe estendam a mão
estarei firme para os que precisarem
e me ameacem se quiserem
não posso morrer
pois já estou morto
e me agridam se quiserem
não posso ser agredido
já me agredi
compreenderei a mais cruel das almas
em suas mais insanas ausências de consciencia
por saber que a aspiral reencarnatória
é um destino cruel
Estarei aqui para todos
bons e maus
e os guiarei na trilha para a luz
e vivo em trevas
para os encontrar


decidi por não dormir
se houver que invernar em taurina
que inverne
esta noite
vibrarei com
os meus


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