Ayo Shaka

Por Antonio Fernandes


O sol se ergue poderoso e plano, num horizonte limpo vasto. O calor se faz de tal forma que a linha que separa terra e céu parece até mesmo se mover. Árvores, fortes e arraigadas, se espalham solitárias pela savana. Pássaros voando aqui e ali, fazendo um som doce e acústico das primeiras horas do dia.

Num espaço de campo, algumas hienas riem sarcásticas. Se banqueteiam com com um pedaço de carcaça. Uma vista mais plena revela um cadáver de uma mulher, furado por balas, a barriga aberta por mordidas gulosas  dos carniceiros. sua pela negra brilha ao sol, e os olhos ainda abertos revelam tristeza e desespero.

Um som de motor cresce em escala. Na árvore próxima, um grupo de pássaros levanta voo. Da virada de uma colina, surgem dois jipes verdes que se aproximam. Nele, garotos armados olham crús e frios para a paisagem.

No banco de trás de um dos jipes Ayo Shaka conversa com seus irmãos de tribo em uma lingua desconhecida. Ele se esforça para parecer normal, mas suas mãos suam e esfregam seu kalashinikov com frequência.

Ele sente medo, e ansiedade. Claro, além de raiva, muita raiva. Tinha seis anos quando o clã vizinho invadiu uma de suas tribos, a que o pequeno Ayo morava. Era inocente e se lembrava com amor de sua avó, uma senhora grisalha que lhe ensinou que se fechasse os olhos, ninguém poderia jamais feri-lo. Lembrava-se claramente dos homens grandes que entraram rindo em sua casa, jogaram uma tocha no telhado enquanto falavam num sotaque estranho. Sua avó foi a primeira a sair, no que tomou um tiro na testa e caiu estatelada no chão, os olhos ainda pregados no pequeno Ayo. Seu irmão surgiu uivando das chamas com uma pistola, e acertou dois tiros num dos homens maus, antes que fosse acertado no estomago pelo cabo de um rifle e espancado por chutes até a morte. Sua mãe veio tossindo das chamas enquanto seu irmão era espancado, e dois homens a agarraram , esbofetearam e jogaram no chão. Um dos grandes homens tirou sua tanga, no que revelou um membro grande, negro e ereto, e uma fome nos olhos da cara. Ele montou em sua mãe e a estuprou, enquanto ela gritava o nome do filho e chorava. Ayo se lembrou do conselho da avó, e fechou os olhos.

Não sabia por que não o haviam matado, mas de algum jeito os grandes homens o haviam deixado em paz e ido embora. Ajudou alguns sobreviventes que se esgueiraram para fora da selva algumas horas depois a enterrarem os corpos e colocarem aquelas cruzes cristãs. Sua mãe havia sobrevivido, mas ficou completamente louca,  nunca mais reconheceu Ayo como seu filho. Ela repetia constantemente que todos os seus filhos estavam mortos, enquanto chorava e se balançava para frente e para trás, em pânico.

Acima de tudo, Ayo queria vingança.

Os jipes se aproximaram das grandes pedras que marcavam o começo do território inimigo. O garoto, de poucos treze anos de idade, esfregava constantemente sua AK-47, quando numa virada da trilha, ele se deparou com os olhos de um leão.

Era uma criatura maravilhosa. Grande e poderosa, de olhos amarelos profundos que viram a alma do menino. O felino exalava poder, digno, claro, de um rei das savanas. Os olhos dos dois se encontraram apenas por alguns segundos. Mas foram segundos maravilhosos, maravilhosos.

Antes que a fera farejasse algo no ar, virasse, e corresse. Então começou o caos.

Era uma emboscada, e das matas tiros começaram a soar. O motorista do jipe foi baleado logo de começo, caiu sobre o volante no que fez o carro capotar. Ayo foi atirado pra fora junto com os outros, e viu incrédulo seu pequeno amigo Abandju, com quem brincou e escalou arvores em sua infância, ser destroçado pelo peso do carro e o braço e um pedaço de corpo serem separados do resto. O pequeno Ayo caiu no chão, mas logo que começou a se levantar, sentiu uma picada nas costas e outra na boca do estomago, olhou para baixo e viu suas mãos cobertas de sangue, tropeçou e caiu no chão. Viu seus companheiros serem mortos um a um.
 Homens grandes saíram das árvores falando numa língua estranha. Alguém empurrou o corpo dele com uma bota, virou as costas e não o incomodaram mais.

Então os homens grandes foram embora. Ayo tentou se levantar, mas descobriu não ter mais o movimento das pernas. Sua barriga derramava rios de sangue e ele sabia que estava morrendo. O sol das savanas começava a se por, em algum lugar ele ouviu a risada das hienas e sabia que daquela noite não poderia passar. Ele se deitou na relva e fechou os olhos.

Sua avó nunca seria vingada.

Ayo fracassara.

E assim, dormiu em paz.

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