Fumaça

Por Antonio Fernandes


Sento-me na calçada. Estou de óculos apesar da chuva fina. Sopra uma breve brisa e meus sapatos são vermelhos desamarrados. Saco um "Marlboro" da própria orelha e ponho na boca, sinto o isqueiro raspar a tampa de meus dedos e o calor subir acendendo-o. Trago profundamente e sinto meus pulmões regozijados com a nicotina.
Não dá. Definitivamente não dá. Posso estar errado, mas a vida é definitivamente fumaça.

Meus fones brancos se estendem até o bolso da calça. É março, chove, e eu ouço Tom, você deve saber que musica estou escutando, ou talvez não saiba, ou não. Na verdade não importa, é tudo fumaça.

Sopro.

Vim aqui para te dizer que você está errado. Que não é essa a calça para a festa nem aquelas as botas certas. O esmalte vai ficar feio de novo. As unhas vão quebrar e você, pacientemente vai espera-las crescer.

Um dia, elas não vão.

Aceno para o carteiro que passa de bicicleta do outro lado da rua. Vejo ele lá desde que nasci. Jogando os jornais nas portas das pessoas, levando noticias.

Que noticias?
Não há notícias, os jornais de 20 anos atrás traziam as mesmas noticias. Os times de futebol disputavam seus títulos, os políticos brigavam pelo poder e as pessoas se matavam e eram cruéis umas com as outras.

E quem, te pergunto, quem se quer se lembra dos títulos, ou dos times ou mesmo de algum daqueles jogadores? E quem se lembra do que algum desses políticos fez depois que foi eleito? E quem se lembra dos irmãos Curió, dos estupros de São paulo ou disto ou daquilo? São tudo notícias, mas não noticiam nada, só informam.
Imagino 2 mil anos atrás, alguém como eu sentado numa das ruas de Roma, vendo o velho carteiro chegar outra vez.

Uso batom, meus óculos são Rayban e meu cabelo é rebelde. Fumar é bonito, você sabe. E deve levar um certo "Q" de charme. Não pense que sou ignorante ou idiota, a ponto de pensar que o cigarro não vai me matar. Vai, e muito. Mas eu sou jovem, e como os velhos tanto reclamam, eu desperdiço minha vida e faço coisas que vão me prejudicar no futuro, não porque eu seja idiota, mas porque está no futuro.

Não vivo o futuro, vivo o presente. Por enquanto.

As noticias me informaram que as torres caíram. Depois disseram que Sadam Hussein foi enforcado, e pouco tempo atrás Osama foi metralhado em sua própria casa. Agora, o próximo coitado é o Kony. Joseph Kony. Coitado.

Trago novamente, arrumo os óculos. Um garoto passa na rua e me seca. Finjo que não vejo. Quantas vezes fingimos que não vemos no nosso dia-a-dia? Muitas, muitas. As vezes acho que mais desprezo do que sorrio para as pessoas. Solto a fumaça e prossigo minha masturbação mental.

As vezes tenho pena dos terroristas, sabe? Eles estavam lá, na deles, em seus lugares, fazendo suas maldades sem prejudicar ninguém e... Puft! Petróleo! E lá vem os americanos fazer justiça.
Não há justiça, há poder, e há peixões comendo peixinhos, a propósito, comi peixe no almoço. Peixe é horrível.

Trago novamente.

Ando pela calçada. Lá está, um cachorro atropelado. Pode ser um casaco de pele ou uma bola de carne, na verdade é as duas coisas. Não consigo sentir pena. Eu me sinto o cachorro. Na verdade não há analogia mais monumental: O cachorro atropelado no mundo, pelos pneus da civilização.
É poético, digno de Mário de Andrade. Não que eu me lembre ou saiba quem é Mário de Andrade, é só o nome que soou bonito aqui para a ocasião.

Penso demais e as vezes penso que penso nada. Talvez esteja pensando e pensando, mas sejam círculos ou mesmo um poço. Quanto mais penso, mais o mundo me parece um paradoxo.
Todos são bons, mas o todo é mau.
Invadimos países para salva-los deles mesmos.
Julgamos a cultura do outro quando nós mesmos temos mendigos debaixo da ponte.

Na verdade, há um ali agora. Me secando também. É como um rato que encara uma raposa. Eu aqui, no meu mundinho perfeito, e ele lá, pagando pelo meu mundinho. O fato dele estar ali me dá a oportunidade de pensar.
E talvez eu não esteja pensando nada.
Que desperdício de vida.

Jogo o cigarro no chão. O gosto é horrível, seco. Prometo que foi o último, mas sei que haverá outro, e outro.
Cigarros são como politicos e ditadores. Você pode mudar a marca, mas quando abrir a caixa, a merda é a mesma.

Pego nos meus próprios peitos, sinto-me mulher, ponho uma halls na boca, tiro os óculos e vou para casa.

Hora de estudar. Pra pensar.

Pensar em que?

Quem sabe.


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