Buraco da Floresta

Por Antonio Fernandes

Mas que floresta escura
Densa
Imensa
Que é mi'nhalma
Nela tem sangue
Nela tem dor
Os caminhos terminam em caminhos que não se sabe pron'de vai
Há um minotauro em algum lugar.
Não há estrelas com que guiar
o céu escuro é de nuvens
E no centro de tudo tem um buraco
um buraco enorme
uma cratera que poderia ter sido feita por um meteoro
mas não é nada mais que ação do tempo
é uma voçoroca
uma cratera que ficou exposta tempo demais
e na terra da voçoroca
tem vermes que comem terra
e a cada tempestade o buraco é maior
há sangue preto em certas poças
há animais que se arrastam e gemem
espere, não
não são animais
sou eu mesmo
várias vezes
várias versões de mim partidas
enlouquecidas em delírio
Shinigamis
Fantasmas
que se arrastam
gemem
choram
um deles uiva na ausência de lua
são seres patéticos destroçados
carnes podres que apodrecem no fundo
dessa cratera aberta no centro de uma floresta densa
e no centro de tudo isso estou eu
ergo-me no centro da fossa
olho ao meu redor
já estive aqui outras vezes
cada vez que volto
a situação é pior
é frio cortante
e quase me esqueço como adoro esse frio
as pessoas pela vida dizem que não sinto frio
que não uso roupas que me aquecem
mal sabem que em realidade
esse frio não está lá fora, onde elas sentem
está aqui dentro
e eu gosto dele
porque me entorpece
ele congela um pedaço da dor que sinto
quanto mais dor
menos frio
quanto mais frio
menos dor
quero congelar, neste momento
mas ainda não é frio o bastante
não tem fundo que caiba
tanta profundidade
para a dor que deveras sinto
e a raiva?
ha ha ha!
a raiva
eu podia me matar
de tanta raiva
não fosse tão covarde
basta olhar a minha volta
aqui nesse buraco na floresta
e ver quanta covardia tem em cada um deles
nenhuma dessas alusões de mim
que se arrastam
é covarde por medo
são covardes do certo
tentaram e fracassaram tantas vezes
que já não lhes apetece
o simples tentar
prefiro remoer a dor do meu coração

lá no céu
acima das nuvens
é possível ver onde está o sol
talvez não seja noite
talvez seja dia de nuvens densas
não tenho como saber
é escuro demais
mas aquela luz
aquele sol
como que me dá vontade de levantar e sair daqui
aquele sol tem cabelos loiros
e olhos azuis
mas dentro de mim eu sei
que mesmo que seja dia
e tudo estiver escuro
nem sempre será dia
e se esse sol se for
e a noite chegar
o que será de mim?
Talvez eu me deite e uive
como esses outros espelhos de mim
Shinigamis
Fantasmas
frustrados pelos mimos
frustrados pelas ameaças
frustrados pela humilhação
frustrados por medo
pela incapacidade de levar a cabo
uma vontade se quer

tenho um coração puro de ouro
que almeja fazer o bem
mas essa floresta
esse buraco
não sei como sair daqui

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