Vento Trouxe, Vento Levou

Por Antonio Fernandes
Dédié à la Violette



Alguém buzinou forte.

Era noite. Carros, luzes, cidade. Pessoas caminhando pelas calçadas. Fazia frio. Ele olhou no relógio e ela estava atrasada. Estava com medo, já que nunca tinha chegado até ali antes.

Nunca tinha saído com uma garota. Elas eram seres tão estranhos. Se juntavam em grupinhos no colégio, cochichavam e riam. Mas não Mariana. Não. Ela era uma garota especial. Tudo bem, era a mais linda da escola e as outras pareciam olhar pra ela como que buscando aprovação. Mesmo assim ela havia notado ele. Ele. Justamente o garoto deslocado e sempre o último a ser escolhido nas datas de educação física.

Estava com frio. Droga. Tinha esquecido de levar casaco. Logo hoje que fazia um frio dos infernos. Olhou no relógio de novo. 48 minutos.

Será que ela havia dado um bolo? Meu Deus. Podia imaginar os colegas rindo na escola. As garotas apontando e rindo quando passasse. O idiota que foi trouxa de ir pro cinema sozinho. A chacota do ano. Tudo teria dado errado.

Mas ela era especial. Conversavam por bilhetinhos durante a aula toda. Camila já ficava com cara de tacho de pegar os bilhetinhos dele e passar pra ela. O professor de matemática já havia brigado e colocado os dois pra fora da sala. Os bilhetinhos porém, não pararam.

A garota não chegava. Será que deveria comprar pipoca e refrigerante? Bom, já que estava ali sozinho, agora era melhor entrar e assistir ao filme. Nem era o tipo de filme que ele iria assistir. Estava em cartaz um super legal, com super heróis e tudo. Cheio de efeitos especiais. Mas ela queria ver aquele filme do cartaz com um casal se beijando. Obviamente piegas. Mas ele não se importava com nada. Estava completamente empolgado pra ver o tal filminho de amor.

Não pelo filme. Claro.

Depois dos bilhetinhos começaram a passar tempo juntos antes da aula começar. Umas semanas depois evoluiu para a hora do intervalo. Isso foi um grande avanço, já que nos intervalos ela costumava sentar com as amigas na árvore do centro da escola, sempre no centro da rodinha. Nessa época ele se sentava sozinho perto da pedra e as vezes tinha a companhia de João. As vezes. Afinal João mais matava aulas do que ia. Ele tinha problemas em casa e por algum motivo nem sempre aparecia.

Olhou no relógio de novo. Já haviam passado uma hora e meia e nada. A garota não iria vir, tinha certeza. Seria realmente humilhado na escola. Foi comprar pipoca. Pegou um balde enorme e duas cocas gigantes. Mal tinha como carregar aquilo tudo. Nem conseguia mais olhar no relógio. Pessoas estranhas passavam e ele se sentia envergonhado de segurar aquilo no meio da rua.

De repente para um carro e ela desce. Estava maravilhosa. Não que não fosse maravilhosa. Mas, voce sabe. Uniformes de escola não ajudam ninguém a ficar mais bonito. Ali porém, ela estava reluzente. Os cabelos louros brilhavam da luz dos postes, os olhos castanhos atravessados pela luz. Ela olhou pra ele e o sorriso ficou largo demais, não sem antes se fechar forçadamente, como se ela de repente tivesse se lembrado de sentir vergonha.

- Oi, demorei?

-Não! Eu acabei de chegar também - riu nervoso - o trânsito estava péssimo mesmo!

-É. Parece que perdemos aquela sessão que marcamos, mas a outra já deve começar já já né?

-Sim! deixa eu comprar os ingressos rapidinho.

Escondeu os ingressos da sessão anterior no bolso. Havia gasto quase metade da sua mesada comprando o primeiro par, que agora não eram nada além de pedaços de rascunho. Com a pipoca, os refrigerantes e os novos ingressos, seriam duas semanas sem lanchar na escola.

Sentaram-se no fundo do cinema. Naquelas cadeiras de trás onde ninguém vai realmente pra assistir ao filme. Ela porém, parecia fervorosamente interessada em cada trailer. Conversaram basicamente nada desde que se viram. Ficou nervoso. Deixou o encosto da cadeira entre os dois para o braço dela e aquilo estranhamente incomodava. É que sempre ia ao cinema com seus pais, sentava-se no meio dos dois e usava os dois encostos. Nunca havia lhe passado pela cabeça que alguém devia ceder para que ele colocasse os braços. Agora, era ele quem cedia.

Ficou pensando nela no começo do filme, mas logo foi arrastado pela história.

A personagem era uma jovem mimada. Super riquinha e bem de vida. Se apaixonava por um garoto do sul dos Estados Unidos. Eles passiavam juntos e entre aventuras e desventuras vão fazendo o amor se desenrolar. Lutam contra os pais dela que são contra o relacionamento, mas ela realmente o ama e quer ficar com ele.

Entretido no filme, não percebeu que colocou a mão no braço da cadeira. De repente a garota lhe encosta. Todo o filme parou naquele instante e os dois ficaram num clima extremamente pesado. Percebeu inclusive que ela parou de comer pipocas por uns momentos. Droga.

O casal vence as dificuldades e finalmente está pra ficar juntos. De repente, explode uma guerra civil e a família dela é de um lado e ele de outro. O amor deles se torna impossível.

O braço dele havia ficado na braçadeira. Ela meio que havia cedido. Mal percebera a situação. Mas de repente ela segurou em sua mão. O garoto ficou em choque, olhou pra ela, mas a menina parecia nem ter percebido. Comia pipocas e assistia o filme naturalmente.

A mulher lutava para manter a fazenda da família. O homem do sul lutava na guerra e mandava dinheiro pra ajudar. O pai dela morreu.

Decidiu. Passou os braços por cima como se estivesse espreguiçando e, pasmém! colocou a mão por sobre os ombros. Para sua surpresa, ela se aninhou e deitou no seu ombro.

A historia parou de fazer sentido. Estava focado nela. Personagens falavam na tela mas só conseguia pensar nela. Nos cabelos macios que roçavam seu rosto. No peso do corpo dela contra o seu. Nos braços que se enrolaram nos seus.

A garota subiu lentamente. O nariz no seu queixo, nariz na sua boca. Nariz com nariz. Olhos nos olhos.

Aquele olhar de escuridão. Escuridão de cinema de luzes que mudam de intensidade. Barulhos de tiro. Barulhos de choro. Nada importava. Olhavam-se. Olhavam-se intensamente.

E teve finalmente seu primeiro beijo. Foi mais mágico do que poderia ter sonhado. Não sabia se estava fazendo certo. Tentava acompanhar os movimentos dela pra tentar ser mais correto. Ela não sabia afinal, que ele nunca havia beijado antes. Ela provavelmente já tinha experiência. Afinal, era a garota mais famosa do colégio. Mas naquele momento era sua. E ele dela. E beijaram-se e beijaram-se.

O filme acabou. Nenhum dos dois sabe o final.

Disse adeus quando o pai foi busca-la. Sorriu feito um tolo pra rabeira do carro que sumia numa esquina. Via os olhos dela no fundo do carro olhando pra ele. O carro sumiu e continuou olhando. Por mais um tempo continuou olhando. Até que a ficha caiu.

Puta merda. Segunda feira, quando à visse.

Como ia dizer oi?






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