Suicídio
Por Antonio Fernandes
Poderia eu sobreviver um dia como mendigo?
Confabulo.
Em fábulas, claro.
Confabulo pois é isso que estou sempre a fazer.
Masturbações filosóficas freudianas,
amedrontado pelo fluxo da vida,
apavorado pela iminência da morte.
Apavorado? Talvez transtornado.
Transtorno-me pensando em um dia não mais estar.
Não mais fazer. Não mais existir.
Penso em quantos antes de mim pensaram o mesmo,
e agora já não mais estão aqui.
Contemplo a altura. É quase como uma reza.
Não posso chegar a beira de nada sem contar os segundos,
segundos que me levariam ao fundo,
fundo do poço, fundo do chão.
Não posso chegar a beira de nada sem vislumbrar o passado,
e em prantos derramar-me em lágrimas.
Lágrimas secas. Daquelas que mais doem.
O chorar não chorando, de quando seria melhor que chorássemos.
Que externássemos as vontades de morte confabuladas por nosso espírito.
Consternação.
Desejar estar morto é atravessar uma cordilheira da qual não se fala.
Tocar no assunto já deixa a todos paralisados.
Falar da morte é como plantar-se com uma arma engatilhada em assalto,
"Não se movam!" Dizem os outros "Ele pode cometer alguma tolice!"
Tolice?
Morrer é tolice? Imagino a natureza inteira tola então.
Talvez não. A natureza não morre. Ela está sempre a renascer.
Cada pedaço de pão em bolor é uma fenix, que dará
dará e dará frutos para novas vidas, novas perspectivas.
O velho morre para que o novo floresça.
Aos dezenove, já sou eu velho?
Tentei me matar um bocado de vezes quando criança.
Dopado de ritalina não havia confabular.
Tinha 7 anos e vivia num âmago negro desértico.
Nem gota de vida em qualquer canto que se olhe.
Era um zumbi. Vagante.
E duas ou três vezes tentei ir.
Afogado, enforcado, e ainda no parapeito duma janela de quinto andar.
Acho que todos conhecem o sentimento.
De desejar matarem-se e não matarem-se,
e há um certo sentimento de derrota nisso!
Veja só! No auge de nossa desvontade de viver,
sob todas as derrotas que sofremos, contempladas,
sofremos mais uma,
a de não ter força sequer pra tirar a vida,
nem que seja nossa própria vida.
Humilhação.
Há coisa mais minha que minha própria vida?
E que maldição é essa de obrigarem-me a viver.
Quantos morrem de suicídio? Não vejo gráficos,
não vejo nada.
A mídia esconde essas tabelas óbvias, sob o pretexto de que mais de nós nos mataríamos.
Numa sociedade que já perdeu a muito o sentido das coisas,
que não tem objetivo real nenhum, milhões de depressivos ao redor do mundo se matam,
e ficamos calados.
Deixamos de noticiar para que mais ainda não se matem,
porém o mau que tirou tantas vidas permanesse,
já que calados, não podemos mudar coisa alguma.
Silêncio.
E tantos morrem, e tantos transtornados ferem-se por serem derrotados mais uma vez,
nem me matar sou capaz! Sou capaz de que?
Não me mato por tédio e por preguiça?
Não me importo realmente com o sentimento dos que ficarão.
Vi um bocado de morte pra saber que serei uma memória vaga,
na mente de pessoas vagas num punhado de anos.
Se matar não é trágico, exceto quando se mata.
Seria eu o centro das atenções do mundo por duas semanas ou três.
A causa de um bocado de telefonemas de parentes,
e boas lembranças minhas espremidas em meu velório.
Mas sou mesmo fraco por não ser capaz de me matar?ou são fracos os que se matam?
São fracos os que desistem de viver?
Mas há tantos que desistem de viver!
Vejo-os todos os dias. Caminham de lugar a outro a esmo.
Fazem nada, e repetem-se até a exaustão.
Quantos de vocês tem pais suicidados?
Que não emitem mais sequer fagulha de vida?
Não estão mortos? Não estão todos mortos?
Sob essa perspectiva, vivemos num apocalipse zumbi.
Onde todos perambulam, mas ninguém faz coisa alguma.
Somos todos cópias de nós mesmos,
com os mesmos sonhos, as mesmas opiniões,
defendendo os mesmos ideais das mesmas formas que,
que nossos antepassados.
Vejo que não preciso mais me matar.
Vejo por fim, que já estou morto.
Não é preciso estar morto pra se estar morto.
Basta vive-lo como se estivesse.
Nesse momento estou talvez um pouco ainda mais vivo por pensar em morte,
e sinto em mim uma necessidade maior de vida que nos outros momentos.
Pensar em morte é viver um bocado mais.
É experimentar a sensação de morrer para poder renovar-se.
Uma boa professora minha perdeu um filho e um pai, numa semana,
e sorrindo, disse-nos que não há benção maior dos céus que a fome.
É quando sentimos fome que lembramo-nos de que ainda vivemos.
Sofremos, nos atiramos no cândido mais frio, mais doloroso,
na sombra mais escura que pudermos encontrar,
mas a fome nos arranca de lá.
Se pudéssemos morreríamos na sombra.
Ficaríamos ali até que a morte nos desse cabo também.
Mas a fome nos obriga a levantar.
É o instinto primitivo mais belo que nos lembra a vida.
Sentir fome é estar vivo.
Pensar em morte é estar vivo.
Mas perambular não significa estar vivo.
Quem perambula está morto.
O dia haverá de clarear.
Nenhuma noite é tão escura que não haja sol no outro dia.
Só há uma noite que serve de exceção,
e essa noite eis, é a própria morte.
A noite que não mais terminará.
O sono eterno e o confabular das minhocas,
sobre quem terá sido tal belo banquete.
Digno de risos imaginar as minhocas conversando sobre quem você teria sido.
Você já se perguntou quem teriam sido tais galinhas e porcos,
bois, cabras e peixes, dos quais você comeu?
Como viveram? quem foram? que sentimentos tiveram?
Será que tiveram sonhos? Será que amaram e copularam?
Romântico, você diz de mim.
Todos eles, que você comeu, todos esses animais
eram escravos, zumbis, perambulando,
obrigados pelos homens a ser zumbis
a ser escravos.
Nossa natureza é toda horrível,
dizem sobre o fim do mundo iminente nessa sexta-feira agora,
dizem-me sobre o fim dos tempos, como se fosse uma verdadeira calamidade
imagine! toda a humanidade morta.
Eu vejo esse pesadelo como um sonho,
como um ideal.
Nada poderia ser mais perfeito para a natureza que a morte do homem,
que um desaparecer de toda essa espécie mesquinha, maldosa,
que tanto tem medo da morte e tão pouco vive.
Já canso-me disso.
Canso-me da morte.
Pois quando eu estou a morte não está, e quando a morte estiver
ai eu já não estarei mais [ -Lucrécio]
Por que me preocupar?
Por que me preocupar com algo que não tem porque me preocupar?
Adiantar a morte é ridículo,
melhor é deixa-la num canto.
Melhor é deixa-la para as lembranças do futuro.
Quanto a mim, vou viver, e vou dormir-me.
Pois a hora é tarde e os objetivos são muitos.
Considero então que a vida é isso.
Enquanto houver objetivos haverá vida.
E quando nada mais houver pra fazer.
Talvez possa encontrar uma sombra para deitar-me uma última vez,
lendo um livro eleito pela última vez,
com lembranças na memória, herdeiros pra brigar meus lotes,
e um bocado de aventuras vividas,
pra provar que fui sublime,
pra provar que vivi, e não suicidei aos trinta.
Mesmo suicidado estando vivo.
Venci você, noite eterna,
vamos ver por quanto tempo mais.
Poderia eu sobreviver um dia como mendigo?
Confabulo.
Em fábulas, claro.
Confabulo pois é isso que estou sempre a fazer.
Masturbações filosóficas freudianas,
amedrontado pelo fluxo da vida,
apavorado pela iminência da morte.
Apavorado? Talvez transtornado.
Transtorno-me pensando em um dia não mais estar.
Não mais fazer. Não mais existir.
Penso em quantos antes de mim pensaram o mesmo,
e agora já não mais estão aqui.
Contemplo a altura. É quase como uma reza.
Não posso chegar a beira de nada sem contar os segundos,
segundos que me levariam ao fundo,
fundo do poço, fundo do chão.
Não posso chegar a beira de nada sem vislumbrar o passado,
e em prantos derramar-me em lágrimas.
Lágrimas secas. Daquelas que mais doem.
O chorar não chorando, de quando seria melhor que chorássemos.
Que externássemos as vontades de morte confabuladas por nosso espírito.
Consternação.
Desejar estar morto é atravessar uma cordilheira da qual não se fala.
Tocar no assunto já deixa a todos paralisados.
Falar da morte é como plantar-se com uma arma engatilhada em assalto,
"Não se movam!" Dizem os outros "Ele pode cometer alguma tolice!"
Tolice?
Morrer é tolice? Imagino a natureza inteira tola então.
Talvez não. A natureza não morre. Ela está sempre a renascer.
Cada pedaço de pão em bolor é uma fenix, que dará
dará e dará frutos para novas vidas, novas perspectivas.
O velho morre para que o novo floresça.
Aos dezenove, já sou eu velho?
Tentei me matar um bocado de vezes quando criança.
Dopado de ritalina não havia confabular.
Tinha 7 anos e vivia num âmago negro desértico.
Nem gota de vida em qualquer canto que se olhe.
Era um zumbi. Vagante.
E duas ou três vezes tentei ir.
Afogado, enforcado, e ainda no parapeito duma janela de quinto andar.
Acho que todos conhecem o sentimento.
De desejar matarem-se e não matarem-se,
e há um certo sentimento de derrota nisso!
Veja só! No auge de nossa desvontade de viver,
sob todas as derrotas que sofremos, contempladas,
sofremos mais uma,
a de não ter força sequer pra tirar a vida,
nem que seja nossa própria vida.
Humilhação.
Há coisa mais minha que minha própria vida?
E que maldição é essa de obrigarem-me a viver.
Quantos morrem de suicídio? Não vejo gráficos,
não vejo nada.
A mídia esconde essas tabelas óbvias, sob o pretexto de que mais de nós nos mataríamos.
Numa sociedade que já perdeu a muito o sentido das coisas,
que não tem objetivo real nenhum, milhões de depressivos ao redor do mundo se matam,
e ficamos calados.
Deixamos de noticiar para que mais ainda não se matem,
porém o mau que tirou tantas vidas permanesse,
já que calados, não podemos mudar coisa alguma.
Silêncio.
E tantos morrem, e tantos transtornados ferem-se por serem derrotados mais uma vez,
nem me matar sou capaz! Sou capaz de que?
Não me mato por tédio e por preguiça?
Não me importo realmente com o sentimento dos que ficarão.
Vi um bocado de morte pra saber que serei uma memória vaga,
na mente de pessoas vagas num punhado de anos.
Se matar não é trágico, exceto quando se mata.
Seria eu o centro das atenções do mundo por duas semanas ou três.
A causa de um bocado de telefonemas de parentes,
e boas lembranças minhas espremidas em meu velório.
Mas sou mesmo fraco por não ser capaz de me matar?ou são fracos os que se matam?
São fracos os que desistem de viver?
Mas há tantos que desistem de viver!
Vejo-os todos os dias. Caminham de lugar a outro a esmo.
Fazem nada, e repetem-se até a exaustão.
Quantos de vocês tem pais suicidados?
Que não emitem mais sequer fagulha de vida?
Não estão mortos? Não estão todos mortos?
Sob essa perspectiva, vivemos num apocalipse zumbi.
Onde todos perambulam, mas ninguém faz coisa alguma.
Somos todos cópias de nós mesmos,
com os mesmos sonhos, as mesmas opiniões,
defendendo os mesmos ideais das mesmas formas que,
que nossos antepassados.
Vejo que não preciso mais me matar.
Vejo por fim, que já estou morto.
Não é preciso estar morto pra se estar morto.
Basta vive-lo como se estivesse.
Nesse momento estou talvez um pouco ainda mais vivo por pensar em morte,
e sinto em mim uma necessidade maior de vida que nos outros momentos.
Pensar em morte é viver um bocado mais.
É experimentar a sensação de morrer para poder renovar-se.
Uma boa professora minha perdeu um filho e um pai, numa semana,
e sorrindo, disse-nos que não há benção maior dos céus que a fome.
É quando sentimos fome que lembramo-nos de que ainda vivemos.
Sofremos, nos atiramos no cândido mais frio, mais doloroso,
na sombra mais escura que pudermos encontrar,
mas a fome nos arranca de lá.
Se pudéssemos morreríamos na sombra.
Ficaríamos ali até que a morte nos desse cabo também.
Mas a fome nos obriga a levantar.
É o instinto primitivo mais belo que nos lembra a vida.
Sentir fome é estar vivo.
Pensar em morte é estar vivo.
Mas perambular não significa estar vivo.
Quem perambula está morto.
O dia haverá de clarear.
Nenhuma noite é tão escura que não haja sol no outro dia.
Só há uma noite que serve de exceção,
e essa noite eis, é a própria morte.
A noite que não mais terminará.
O sono eterno e o confabular das minhocas,
sobre quem terá sido tal belo banquete.
Digno de risos imaginar as minhocas conversando sobre quem você teria sido.
Você já se perguntou quem teriam sido tais galinhas e porcos,
bois, cabras e peixes, dos quais você comeu?
Como viveram? quem foram? que sentimentos tiveram?
Será que tiveram sonhos? Será que amaram e copularam?
Romântico, você diz de mim.
Todos eles, que você comeu, todos esses animais
eram escravos, zumbis, perambulando,
obrigados pelos homens a ser zumbis
a ser escravos.
Nossa natureza é toda horrível,
dizem sobre o fim do mundo iminente nessa sexta-feira agora,
dizem-me sobre o fim dos tempos, como se fosse uma verdadeira calamidade
imagine! toda a humanidade morta.
Eu vejo esse pesadelo como um sonho,
como um ideal.
Nada poderia ser mais perfeito para a natureza que a morte do homem,
que um desaparecer de toda essa espécie mesquinha, maldosa,
que tanto tem medo da morte e tão pouco vive.
Já canso-me disso.
Canso-me da morte.
Pois quando eu estou a morte não está, e quando a morte estiver
ai eu já não estarei mais [ -Lucrécio]
Por que me preocupar?
Por que me preocupar com algo que não tem porque me preocupar?
Adiantar a morte é ridículo,
melhor é deixa-la num canto.
Melhor é deixa-la para as lembranças do futuro.
Quanto a mim, vou viver, e vou dormir-me.
Pois a hora é tarde e os objetivos são muitos.
Considero então que a vida é isso.
Enquanto houver objetivos haverá vida.
E quando nada mais houver pra fazer.
Talvez possa encontrar uma sombra para deitar-me uma última vez,
lendo um livro eleito pela última vez,
com lembranças na memória, herdeiros pra brigar meus lotes,
e um bocado de aventuras vividas,
pra provar que fui sublime,
pra provar que vivi, e não suicidei aos trinta.
Mesmo suicidado estando vivo.
Venci você, noite eterna,
vamos ver por quanto tempo mais.
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