A Pequena Vendedora [reescritos]

Por Antonio Fernandes[Domingo, 25 de Abril de 2010]

Era jovem de cabelo crespo e mau lavado. Na verdade, diria que aqueles cabelos nunca haviam sido lavados. A terra acumulava-se em meio a fios de maneira grotesca e rude. A pele, de um moreno forte, fazia-lhe sentir-se diferente. Lábios carnudos e grandes pioravam a situação. Seus olhos enormes e brilhantes olhavam carros que passavam indiferentes na rua. Carros caros, carros simples, motos, ônibus e caminhões, e ela ficava ali parada, esperando com seus doces à mão.

Tinha sete anos.

Roupas rasgadas e já sem cor. Rosto sujo. Os dentes tortos e desalinhados.
De repente o sinal fecha, os carros param. Uma chance para trabalhar.
Não era dinheiro dela. Não estava ganhando-o pra comer. Não, ela tinha que dar o dinheiro ao moço. Era um alcoólatra que dizia ter encontrado-a na rua e cuidara dela, mas se tinha cuidado, foi a muito tempo. Pelo menos ela não se lembrava. Hoje tudo que fazia era espanca-la e tomar o dinheiro ganho ao longo do dia. Sabia que havia sequestrado algumas das outras garotinhas. Outras disseram vir de um orfanato. Haviam várias. Era pior ver as meninas sequestradas, pois choravam todos os dias por uma vida que perderam. Todas ganhando o dinheirinho que o moço gastava em pinga pra depois espanca-las aos berros.

Foi até o primeiro carro. Um Uno cinza, e um homem já calvo e velho, pobre e trabalhador, estava ao volante. Olhou-a, deu um sorriso e balançou negativamente a cabeça, virou para frente e não olhou mais.
A garota foi até o carro de trás, um Stilo vermelho. Havia uma chance ao ver um garoto jovem, de vinte e poucos anos, trajando uma camisa social e óculos caros. Comprou dela um de seus tridents. Sua boquinha, cheia de dentes tortos e mau cuidados, reluziu num sorriso de diversão, num sorriso de criança, de menina. Um sorriso de inocência.
A pura felicidade.

O próximo era um Civic prateado, polido até brilhar. Ao volante uma mulher linda, cabelos loiros e rosto esculpido por anjos. Óculos mascaravam sua face, dando-lhe uma impressão séria e fria. Poder. As mãos que agarravam o volante exibiam joias que deixariam seu dono feliz por meses, e ela se imaginou usando brincos tão lindos.
Chegou na janela, e olhou-a; aquele ser majestoso. Mas era como não estar ali. A menina bateu duas vezes no vidro, tentando chamar a atenção, mas a mulher, apesar de exibir irritação, continuou fingindo que não havia nada.
O sorriso da menina desapareceu. Desistiu da mulher má, e ia seguindo para o próximo carro quando percebeu uma coisa que não tinha visto antes.
No banco de trás alguém a encarava. Encarava pura e simplesmente. Era uma menina loirinha de olhos claros e cabelos cacheados. Tinha lábios rosados, porém, percebeu, carnudos como os seus. Usava roupas lindas e limpas. Bem cuidadas. Bem cuidada.

Quando conseguiu atrair seu olhar, a burguesinha sorriu. Sorriu e pôs uma mão no vidro.
Intrigada colocou a sua também, e ficou abatida, olhando aquela garota tão igual e tão diferente percebendo que ela também existia.

O sinal abriu e os carros arrancaram. Com certa dificuldade conseguiu chegar até a calçada, ainda a tempo de ver a outra sumir distante. Ainda sorria e dava-lhe um tchau.

Sentou e chorou. Chorou por não poder sorrir. Chorou de ciúmes e por inveja. Chorou por amor e por uma amizade que durou tanto e pouco. Chorou de raiva do homem que a tratava mau. Chorava por tudo que se podia chorar.

O homem vinha em sua direção. Seu olhar não estava nada contente.

Ela não ligou. Não conseguia esquecer aqueles olhos. Aqueles cabelos. Pensava se era aquilo que as tornava diferentes. Que davam a outra o direito de tudo e ela o direito de nada. Seria a cor de sua pele? Só chorou e chorou.

Foi acordada de seu estado de melancolia ao ser chutada na barriga pelo homem. Depois um soco, outro soco e um empurrão.

Caiu de cabeça no asfalto. Viu estrelas. Sonhou com fadas e princesas. Tudo quanto era bom e vivia na natureza. Vislumbrou a felicidade verdadeira. A felicidade que todos procuram. A felicidade real.
Apenas vislumbrou.
Não acordou mais.

Morreu batendo a cabeça no asfalto.


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