Amor Pueril

Por Antonio Fernandes

Fumaça e alcool, era a isso que eu cheirava.
Caminhava a esmo errante por ruas mau iluminadas. Descera no ponto da Alvares Cabral e a bohemia me consumia. Feliz? Porque alguém iria querer ser feliz quando poderia viver de prazer?
Não, não desejava felicidade. Queria conhecer pessoas diferentes. Sentir a majestade da vida correr pelas minhas veias, a adrenalina da diversão pervertida.
Queria comer alguém. E dar e receber prazer.

Subi uma escadaria suja, um alguém vomitava num dos degraus e ri. Fumava um cigarro barato e mais que tudo, desejava estar bêbado. Havia saído de casa com uma garrafa de bolso de vodka barata, mas a vodka se foi e não me sentia suficientemente bêbado. Queria mais. Queria o céu, e tudo ainda era muito porco e parco.

Mesas de sinuca e rock antigo. Nuns tempos como os nossos, onde a cultura ruim e pessoas fúteis parecem ter se multiplicado a todas as direções Led era tudo que queria para a noite. Comprei um copo de cachaça e virei. Shot. Desloquei-me até uma janela e acendi um cigarro.
Um garoto gordo e tatuado, de barba castanha, conversava com uma garota trash de maquiagem borrada. Um homem careca ria e arrumava uma carreira que uma ruiva de olheiras fundas cheirou inteira. Roqueiros jogavam sinuca e pessoas falavam daqueles velhos assuntos, drogas, sexo, contavam histórias malucas e ainda política aqui e ali. Aquelas velhas histórias. Tudo muito tradicional. Tudo muito igual, havia visto isso vezes demais e me embebido. Chega. Meu tesão do princípio passou inteiro.
Acendi um cigarro e contemplei a vista da janela. Abaixo, em seis bares grupos de universitários, vagabundos e alguns todo tipo de gente jogava conversas fora sobre suas vidas ocas. Traguei meu hollywood e senti a força do tabaco ruim.

-Tem um cigarro?

Era loira, tinha um par de peitos brancos num decote grande e roupas curtas. Bela, mas talvez fosse linda se houvesse um mínimo de intenção em se arrumar. Parecia cansada, cansada da vida, talvez tão cansada quanto eu. Seilá. Um bocado de pessoas andavam parecendo cansadas ultimamente. Um cigarro não iria me fazer mau.

-Aqui.

Ela tinha seu próprio isqueiro e desprezou o que estendi. Relevei o vácuo e enfiei o meu no bolso. Cocei o nariz e estalei o pescoço. Não me importava nem um pouco em puxar algum assunto. Talvez terminasse trepando com ela ou usando drogas n'algum motel encardido. Eram histórias iguais, era cotidiano,  não pretendia...

-O que você acha de borboletas?
-Oi?
-Borboletas, o que você acha delas?
-Patéticas.
-Foi o que pensei. Você é só mais um.
-Mais um o que?
-Desses que andam por ai cansado do que nos transformamos, desejando uma gota da geração beat. Sonhando em hippies e vivendo uma pós-era rock'n roll onde tudo que sobraram foram jovens idiotas e velhos reclamões. Isso não te torna alguém especial, você sabe. É tão reclamão quanto todos esses velhos reclamões idiotas que andam por ai.
-E de onde você tirou todas essas ideias?
-É o mesmo que eu. Posso sentir a semelhança nos seus olhos.
-Talvez. Queria beber hoje. Ficar completamente entorpecido e esquecer toda essa merda. Todas essas pessoas patéticas que sonham com uma humanidade linda, e todos os mais patéticos que acham que estamos perdidos. Queria acordar em casa e não saber como fui parar lá, ou acordar n'algum beco e descobrir que estou sem minha carteira.

Ela tirou um punhado de maconha da carteira, uma seda Smoking e se pôs a bolar.

-Nada como conversar com alguém completamente estranho.
-Nada mesmo.
-Pela milésima vez - ela falou e riu.
-Pela milésima vez - repeti. E traguei profundamente.

Soltei a fumaça que demorou como chaminé a embaçar no ar. Poluindo. Sujando.
Não queria come-la. Não queria fumar cigarros. Não queria drogas, eu via, mas não havia nada de errado com um baseadinho, por isso quando ela acendeu e me passou, traguei.

Ficamos calados por um tempo. Dois garotos começaram a se espancar numa mesa de sinuca. As pessoas pararam pra assistir a briga. Um deles jogou o outro no chão e estava por cima dele tentando soca-lo, mas foi agarrado pelo saco e a briga tomou outro rumo. Perdi rápido o interesse.

-Quer trepar?
-Não sei - ela deu de ombros como se não fizesse realmente importância - talvez.
-É um sim?
-É um talvez. O que você faz?
-Nada demais, vivo de renda, uma herança velha do meu avô.

Me olhou curiosa.

-Mentira - ri - escrevo. Ou escrevia. Sou escritor mas não exerço, e estudo leis.
-Leis? - riu - que patético.
-E o que você faz?
-Eu não faço nada. - e me olhou com uns olhos divertidos, me incitando a contraria-la.
-Ok.

Pareceu um pouco desapontada. Fumou mais do beck. Começamos a sentir a onda e me veio um tesão louco. Uma vontade maluca de beijar os peitos dela.

-Vamos? - ela disse
-Pra onde?
-Trepar ora, não foi o que você havia sugerido?
-Tem algum lugar em mente?

Ela deu de ombros. Parecia tão depressiva quanto eu, apesar da força crescente de maconha.

Comi-a com força no banheiro do Pub e me diverti com os peitos dela. A garota realmente sabia rezar, e acabou comigo num dos breaks que demos. Não fazia questão de come-la. Acho que ela não fazia questão de dar. Estávamos agindo por rotina, por praxe. Mas tudo isso não tirava a diversão do prazer. É por isso que vivemos não? Prazer. É o que nos move aos vinte e poucos. O tesão da vida.

Gozei nos peitos dela, nos vestimos e ela sumiu. Creio que não a verei de novo. Pela milésima vez uma mesma história, interessante é ter encontrado uma garota tão eu.
Tão eu.

Tomei mais uma cachaça. E depois outra, e depois outra. Uma paixão se criava no meu âmago. Um amor incondicional. Uma vontade louca de te-la. De te-la outra vez. Não para trespassar-lhe com minha ferramenta, mas para tira-la dessa troça mortal que nos assola. Dessa vontade de suicidar-se que nos come o fígado. Bebi mais. O teto girou. Paguei mais uma dose. Queria te-la desesperadamente. Queria salva-la. Faze-la feliz. Que maldição era aquilo? Talvez com mais uma dose. Virei. Cambaleei. Esbarrei em alguma coisa e levei um soco na cara.

Flashs. Lembro-me de gritos. Pessoas bravas e alguém sangrando. Era eu sangrando. Lembro-me de ser jogado pra fora do lugar. De ter então... uma garrafa na mão, um grupo de pessoas desconhecidas rindo e de beber da garrafa...

De vômitos. Creio que vomitei... Sim. Vomitei. Desmaiei e em meus sonhos sonhava com ela. Lembrava-me da sua risada singela e dos dentes brancos. Sonhava com aquela pele branca transparente, linda. Queria conhece-la. Queria saber seu nome. Sim. Seu nome. Qual era mesmo o nome dela? Não, de fato, eu nem havia perguntado. Nunca saberia seu nome. Seria pra sempre um... fantasma, no âmago da minha fraca mente pueril.

Oh! Como eu a amava! Como a desejava! Como queria estar perto dela! Tudo, percebi, tudo poderia ser mais leve na vida se tivesse aquela garota perto de mim, para meu amor, para meus desejos. Era tudo que queria e nunca poderia ter. Que idiota eu era, alimentando um amor platônico de uma noite só.
Mas já não eramos todos idiotas por viver vidas tão vívidas? Que demais havia num amor platônico? Este pelo menos jamais poderia me ferir. A imagem que criei dela não seria suficiente para me machucar, percebi. Seria sempre a garota sádica, dos peitos brancos e do lindo sorriso, a trepar comigo no banheiro e a me passar o baseado. Sempre a ideia que criei dela, e nunca ela em si. Apenas uma sombra. Uma sombra na caverna. Filosoficamente descobria que Platão estivera errado desde então. Sair da caverna dói. A luz do sol nos cega. O mito é sempre mais bonito que a realidade, principalmente porque o mito é arte, é belo, é perfeito. A realidade é suja e cruel.

Acordei em minha cama, não sei como. A ressaca comia meu cérebro feito um zumbi. Creio que mereci toda a noite que tive.

Todas as noites desde então, tenho sonhado com ela.



Comentários

  1. Exatamente como ler bukowski: Sujo, pervertido e divertido... Vai lá, se torne um dos meus escritores favoritos e te amarei pra sempre, quem sabe em um banheiro de um bar qualquer, vai saber! ;p hahahaha

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