Uma Nova Visão do Mundo

Por Antonio Fernandes

O ensino de história é tosco.

Não digo isso para culpabilizar seu professor, o diretor ou a escola que você estuda ou estudou. Não é algo que você vá encontrar motivos baixos ou próximos, alguém pequeno à quem culpabilizar, não. Lembra-se quando disseram que o império romano justificava sua dominação dizendo-se evoluído e superior? Ou quando te ensinaram que fizeram a mesma coisa no neo-colonialismo, baseados em doutrinas darwinistas que catalogavam seres humanos numa linha evolutiva em que os negros animais eram inferiores e os louros rosas alemães superiores? Pois bem. O ensino histórico que você teve tem a mesma intenção: ocidentalista, baseado na história dos vencedores e dos grandes líderes. É tosco, tendencioso e nunca realmente produziu nada de bom.
Minha intenção nesse pequeno tratado não é a de dissecar todo o assunto, muito pelo contrário, é mostrar a você o quanto ainda há para ser aprendido, quantas maravilhas aconteceram na humanidade e quantas ideias erradas você vem reproduzindo ao longo desses anos todos.

África.

Você pensou em crianças passando fome? Se eu disser para ligar a palavra a história, você provavelmente pensará em seres humanos vivendo quase como macacos, com alguma espécie de língua tosca e estranha, cultuando deuses demoníacos e vivendo em... desertos? florestas? A maioria nem mesmo saberá que podem pensar em montanhas. (montanhas na África?)
Contudo, apesar de toda a má formação a respeito do tema, os estudos históricos recentes apontam que não, não foi a Grécia o berço da filosofia, mas sim a Índia e... pasmem, os reinados africanos que ali estiveram por volta do século VIII a.c. Esses reinados aliás, já tinham comércio, filosofia, conhecimento metalúrgico, militar e naval que lhes permitia, já naqueles tempos, estabelecer contato com os povos próximos. Esses reinados localizavam-se tanto acima do deserto do Saara, como você, por mais leigo que seja, não poderá deixar de observar o Egito, como vários deles viveram por toda a floresta tropical logo abaixo.
Dando um pulo histórico, um dos povos mais extraordinários que tive o prazer de pesquisar, os Zulus, por volta do século treze já tinham consolidado um império, dominado vários reinados ao entorno, e quando entraram em contato com os britânicos em suas invasões, quase quatrocentos anos depois, foram uma pedra formidável que mesmo com arsenal militar inferior, com organização militar, lanças e escudos, exércitos de duzentos mil a quinhentos mil homens, contra as carabinas becker britânicas, a pólvora, cavalaria e artilharia, em método de guerra que viria inclusive a derrocar Bonaparte em Waterloo, perderam por pouco. Os britânicos quase foram expulsos do que hoje é a África do Sul por um número ínfimo de batalhas. Aliás, como os Zulus tinham o costume de vender seu próprio povo como escravos, foi a etnia deles (negros, altos, robustos, e até "paus grandes", diriam alguns) que viria a consagrar a imagem do africano que paira no imaginário leigo ocidental atual.
Foram essas invasões britânicas e dos outros europeus, nesse período neo-colonialista, marcado pela revolução industrial que viriam a desgraçar a África, extorquir as forças de trabalho, e foi esse período a transformar aquele continente inteiro no que vemos hoje. Um mar caótico de pequenas tiranias, armadas com equipamentos bélicos derivados da guerra fria.
Não pense nos africanos como um povo coitadinho. Foram eles os responsáveis por invadir a península ibérica, e dominarem a Espanha até quase no século XVIII. Foram responsáveis pela estrutura filosófica que foi chegar aos gregos no século V. Porque então os gregos é que passaram essa ideia a frente? Eis uma questão absolutamente simples. Alexandre viria a conquistar vastas terras ao longo de sua parca, rápida e militar vida. A seguir, os gregos seriam dominados por romanos, aos quais sofreriam uma aculturação e levariam as ideias dos três grandes filósofos, Sócrates, Platão e Aristóteles até mesmo aos vales escoceses. Até mesmo aos lagos alemães. Mas de onde vieram as bases das filosofias dos três grandes filósofos então?

A África conta histórias que você não pode imaginar.

Ásia.

Um continente tão grande! Com uma mistura de povos tão heterogênea e que tanta coisa já fez! E veja o quanto somos ignorantes. Sabia você que por conta da morte de um homem, nós hoje não falamos mandarim? É que por volta dos primeiros anos do segundo milênio um jovem guerreiro unificou seu povo, um povo duro que vivia nas planícies congeladas da Mongólia, e com sua força conquistou dois terços da China(que na época não era pouca coisa).
Cerca de quarenta anos antes, a última cruzada européia havia sido chutada pelos árabes de Jerusalém. A fortaleza de Gaza, último reduto da sagrada ordem dos Templários, fora invadida pelos soldados de Saladino. Os europeus voltaram com o rabo entre as pernas pra casa. Esse povo do oriente, com um poder militar invejável se comparado aos europeus, quarenta anos depois viriam a ser absolutamente escorraçados pelos mongóis. Para que se tenha uma ideia numérica, os frequentes números em batalha eram de dois ou três tummans mongóis (trinta mil homens) contra duzentos e cinquenta ou trezentos mil árabes. As baixas gerais eram de menos de mil mongóis mortos pra verdadeiros massacres de árabes.

Guensis Khan e seus generais humilharam o povo que mijou nos europeus.

Mas o Grande Khan morreu. Esfaqueado por sua esposa. E um de seus filhos tomou o grande cetro das tribos e mandou generais com tummans em várias direções. Um deles, chamado Tsubodai, foi encarregado de tomar um país ao qual nos tempos de Guensis eles haviam apenas ensaiado uma conquista: A Rússia. Lembra-se da Rússia? Aquela que frustrou o segundo Reich de Napoleão Bonaparte, bem como o terceiro Reich de Adolf Hitler? Pois bem. Dois exércitos russos de mais de dois milhões de soldados foram abatidos por três tummans (trinta mil) mongóis. Com poucas baixas. O exército prussiano somado ao dinamarquês - a maior armada européia da época - foi chutado pelos mesmos três tummans. Uma aliança entre francos, suiços e várias cidades italianas levantou uma última força, um último suspiro para tentar deter a força da Mongólia. Se eles não sagrassem exito, o império do Grande Khan se estenderia por fim de um mar ao outro. Um único império desde de o mar do Atlântico até o oceano Pacífico.
O filho ou neto (não me recordo agora) do Grande Khan, que na época era imperador, morreu dum ataque do coração. Tsubodai foi chamado com seus trinta mil para voltar pra casa. À época, ele já era um general velho e sabia que nunca mais teria tempo de terminar o que havia começado. nenhum exército mongol voltou para terminar o serviço.

A última batalha nunca aconteceu.

A Europa foi salva por um "se".

E isso é apenas uma sombra, uma brisa que sopra toda a história do mundo que pela Ásia passou! A guerra dos Shogunatos do Japão, os impérios Árabes, Turco-Otomanos, as peripécias chinesas, com seu imperador que foi enterrado com trezentos mil homens, suas mais de quinhentas esposas e toda a sua fortuna em ouro puro, dentro de uma montanha numa maravilha da engenharia que até cem anos não tínhamos conhecimento para desmontar sem derrubar. O imperador chinês que mandou construir um rio quase à largura do rio Nilo, entre seu palácio de verão e seu palácio de inverno, para que pudesse ir navegando de um ao outro, e a escavação do rio custou a vida de mais de cinco milhões de trabalhadores.

A muralha da China.

São tantas histórias! Lembro-me de ter visto, uma aula que o professor Boaventura de Souza Santos, uma das maiores autoridades em sociologia do direito no mundo, ministrando uma aula de inquietação na UNB, falou das aulas que dava em Harvard. Disse: entre seus vários alunos chineses, e eram muitos, o que eles deveriam pensar? Que deveriam pensar quando lhes ensinávamos que a maravilha da civilização aconteceu com a revolução industrial inglesa, que todo o mundo começou quando foi inventada a máquina a vapor? Quer dizer, pra onde iam os europeus no século doze, no século quinze, buscar produtos de qualidade quando precisavam deles? Pra onde a estrada da seda levava?
Pra China!

E falando da rota da Seda, foi ela uma construção Mongol, que depois de massacrarem todos os exércitos de uma ponta a outra da Ásia, não sobrou, diziam, sequer um ladrão numa extensão de mais de vinte mil quilômetros. Diziam que seria possível um homem caminhar com uma bacia de ouro na cabeça por um dia inteiro sem ser roubado. A rota da Seda por onde passou Marco Polo, a caminho do oriente.

E a Índia? Se há um povo complexo diria eu, são os indianos. Enquanto a China vem duma tradição de subsequentes impérios, os indianos tiveram sempre uma complexa estrutura de reinados, filosofias, mais de cem milhões de deuses. O budismo, os Hare-krishnas, o culto a vaca.

Estudei na faculdade a teoria de Descartes. Descartes é, como se diz, a pedra fundamental para o modernismo europeu. Descartes empreendeu em sua vida uma série de grandes questionamentos. Ele buscava sobre tudo alguma coisa que fosse verdade, uma verdade tão verdadeira que não pudesse ser questionada. Queria questionar tudo que fosse questionável, mas sabia que uma por uma, as coisas todas do mundo não poderiam ser postas a prova numa só vida. Fez então grandes blocos de questionamentos e não obteve êxito em nenhuma. Nenhuma verdade encontrou. Tudo era duvidável. Nada era real. Por fim, elaborou uma premissa que era quase como jogar uma bomba atômica num passarinho. Se ele já não achava verdade nenhuma como as coisas iam, com essa premissa ficava óbvio que verdade nenhuma sobraria. A premissa era "Se quando estou sonhando penso que alguma coisa absurda é normal, como saberei que não estou sonhando agora? Como saberei que as coisas que julgo serem corretas só são porque estou sonhando?"
E baseado nisso Descartes veio a empreender essa pergunta numa série de verdades, que foram massacradas e derrogadas a posição de meras hipóteses.

Contudo houve uma: Uma verdade que a premissa de Descartes não conseguiu vencer.

Ele meditou: "Penso que estou acordado quando estou sonhando. Penso que estou acordado quando estou acordado. Qual a única coisa em comum entre uma frase e outra?"

Simples. A única coisa em comum é que penso. Penso, logo, existo. "Cogito ergo sum." A primeira verdade, a verdade fundamental por onde poderíamos construir toda a nossa cadeia de conhecimentos, e é onde estão sustentadas todas as estruturas científicas, todas as ciências. Todas as teses, se forem questionadas infinitamente retornarão, então, a premissa de Descartes.

A pedra filosofal da modernidade. "Cogito ergo sum." É onde toda a ciência que você ouviu falar está amparada. Darwin, Newton, Adam Smith, Bohr, Kant, Spoville, Kelsen. Todos.

E num dia desses, meu pai, que recentemente tem aprofundado seus estudos de hinduísmo, num curso de yoga ao qual ele foi condecorado como professor (que lhe deixou absolutamente exaltado!), ao mesmo tempo em que toca seu doutorado em saúde no direito pela universidade de Pablo de Olavide, em Sevilla, me mostrou num livro um pensador hindu do século 4 a.c. (lembre-se que Descartes é de 1596) que empreendeu exatamente a mesma linha de raciocínio que nosso bom René. Queria ele descobrir as verdades do mundo. Questionou tudo e percebeu que tudo, exatamente tudo a sua volta era questionável. Elaborou uma premissa semelhante a de René, a respeito dos sonhos. Mas sua conclusão, o seu fim, seu finalmente, foi ligeiramente diferente. O Hindu construiu: "Sinto que estou acordado quando estou sonhando. Sinto que estou acordado quando estou acordado. Qual a única coisa em comum entre uma frase e outra?"

A única coisa em comum entre ambas as frases é: Eu sinto.

Percebe a diferença catastrófica entre uma coisa e outra? Uma pedra filosofal estruturada na ideia penso, e a outra estruturada na ideia de sinto. Uma absolutamente racional e a outra completamente emocional. Uma pelo lado esquerdo do cérebro e a outra pelo lado direito do cérebro. Uma feminina, outra masculina. Uma se afastaria de maneira empírico racional até fomentar duas guerras mundiais, uma guerra fria e mais de trezentas ditaduras no século XX, em plena Europa, a outra desencadearia nas filosofias hindus, na Yoga, em uma cultura não superiora nem inferiora, mas sim absolutamente diferente.

E por fim, o intuito dessas pedras filosofais era chegar a um fim em que não precisássemos mais questionar. Onde disséssemos "ali está a verdade, tudo amparado por ela é verdade". Mas quando confronto a pedra fundamental hindu com a pedra fundamental moderna, iguais, ambas são imediatamente relativizadas e não há pedra fundamental nenhuma.

Os sofistas venceram.
Não existe verdade.

E quantas outras coisas eu poderia contar sobre o mundo? Que maravilhas existiram na America? Porque sim, esse continente foi assentado sob a cabeça de diversas culturas massacradas, Maias, Incas, Astecas, Tupis, Guaranis, Timbiras, Goitacases, Apaches, Iroqueses, Creeks, Comanches, Esquimós... todos dizimados. Trocados por uma migração voluntária de europeus (fugindo do conflito da igreja católica com as igrejas protestantes, procurando novos empregos, buscando novas terras, sendo exilados politicamente) involuntária de africanos (Zulus escravizados vendidos pelos próprios Zulus, Zulus escravizados e vendidos pós-dominação britânica antes dos tratados anti-escravidão, africanos de reinados e tribos menos evoluídas da região da grande floresta tropical africana, africanos das savanas, africanos mouros, intelectuais, descendentes de árabes e espanhóis) migrações orientais (japoneses fugindo da guerra dos shogunatos, vietnamitas, chineses, e mais dez povos fugindo de regimes autoritários e combates durante a guerra fria).

A America foi construída assentada sobre os povos massacrados, povoada por uma migração em massa vinda dos outros continentes. Talvez por isso a complexidade, a diferença regional dos outros lugares não é tão forte aqui. (Um siciliano é siciliano antes de ser italiano. Um irlandês é irlandês antes de ser britânico) Enquanto isso aqui, somos diferenciados pelo continente(!) do qual viemos. Brancos europeus, negros africanos, olhos puxados asiáticos.

E quantas outras coisas mais existem para ser descobertas? Pense nas bibliotecas que existem no Irã, sediadas por mais de oito mil anos de história. Que tipos de livros existem lá? Que filosofias, ciências, histórias, astrologias, de que religiões esses livros tratam? E disponível pra nós fisicamente, mas somos incapazes de absorver 'de facto': pense nas bibliotecas chinesas! Quantos livros sobre tudo a china não escreveu desde o século quinto a.c. até a atualidade? Quanto disso não temos acesso só por não falar mandarim? E as bibliotecas da Índia? Quantos livros foram parar na Rússia? Há alguma coisa no Egito? E aqueles ditadores africanos, eles sabem quanta riqueza pode estar escondida em algum lugar empoeirado dos seus palácios?

Quanta coisa o mundo perdeu, meu Deus?! E continuamos nós, ocidentais, vendo tudo como se fossemos o centro. Desenhando a Europa no centro dos mapas. Sabia que nos mapas japoneses clássicos, o mundo está todo virado? É que para os japoneses, o lado certo, de cima, é o lado em que o sol nasce. Como eles são os últimos pedaços de terra do lado direito, é no mar deles que o sol nasce. "A terra do sol nascente." Logo, no mapa japonês clássico, eles estão no topo de tudo(!) e embaixo deles vem a China (que por sinal, eles odeiam), depois a Africa e Europa, e por baixo de tudo a America.

  Por quanto tempo fomos o centro literalmente? Alexandre? Podemos considerar Alexandre como um expoente do ocidente? Roma? Mas antes deles já havia Pérsia, Egito, China, Sultões indianos. Antes deles já havia o rio Tigre e Eufrates da Mesopotâmia. Antes deles havia Cartago. E quando Roma caiu? lá estava Átila e os Hunos, fazendo o mesmo que Guensis Khan viria a fazer mil anos depois. Os europeus só viriam a ser expoentes de novo com a descoberta do ouro nas Américas pelos espanhóis, e estiveram no poder pelo quê? quinhentos anos? e o cetro passou em 500 anos dos espanhóis para os ingleses(e Napoleão tentou roubar e perdeu, e Hitler tentou roubar e perdeu) dos ingleses para os americanos. E cá estamos, em menos de 50 anos de domínio americano? já batem a porta os chineses de novo. E temos escutado tanto falar dos chineses! O império dos imperadores-deuses, o império do sol, resplandecente levando mais uma vez o poder para as mãos do mundo oriental.

E nós, ocidentais egocêntricos e mimados, não entendemos isso. Como podemos não ser os donos do mundo? Como lidaremos em sermos os inferiores?
E eis a constatação. Não somos os maiores, nem os melhores, só estivemos por cima por um curto prazo.

O prazo acabou. E o domínio do oriente voltou.

Zàijiàn. Adeus.


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