Um garoto de Aberdeen #6 - Cigarros

Por Antonio Fernandes



-Quantos anos você tem garoto? - o velho por trás do balcão franze as sombrancelhas.
-São pro meu pai, me dê um hollywood.
-Dane-se, não vou vender pra você, dê o fora daqui.
-Deixe de ser idiota, eu tenho dinheiro, vê?
-Não quero saber, saia daqui antes que eu chame a polícia.

Kurt sai. atravessa a rua e tira do bolso um maço de Marlboro. Se diverte pensando como o velho não percebeu quando ele roubou.

Sentia vergonha de seus pais, era uma afronta pessoal a ele o que fizeram. Especialmente contra ele.
Como podiam estragar a vida de um garoto assim? Como? Não conseguia entender. Decidiu que iria para o velho estacionamento.
Havia perguntado na escola naquela manhã e viu vários de seus amigos dizendo que tinham pais divorciados. Alguns exibiam como uma medalha, mas a maioria falava baixo e triste. Era uma quantidade espantosa.
Alguma coisa aconteceu uns vinte anos atrás. Houve algum erro com a geração dos pais deles, já que era um absurdo tantas famílias terem se destruído assim. Ele queria ter dormido menos nas aulas de história, mas sabia que não teria mudado em nada. Só ensinavam tolices pra garotos da sua idade.
Tirou o maço do bolso e começou a abri-lo. Viu uma viatura na rua, enfiou os cigarros no bolso e cantou:

"Corn in the cups, corn in the cups, run! run! They want's to kill you!"

Mas não se divertia mais com aquilo como antes. Nem mostrando a lingua. Nem o dedo do meio. Nada. Não havia mais prazer em brincar na floresta nos fundos da casa sem sua irmã por perto. A vida havia perdido o gosto e ele estava surtando.
Quem foi o idiota que estragou a geração de seus pais? Era uma afronta contra ele. Queria quebrar tudo. Queria destruir tudo e depois se destruir.

Tirou um cigarro da caixa e pôs na boca - e então se lembrou - o isqueiro!

O isqueiro, merda. Não havia roubado o fogo. Não tinha como acender os cigarros. Jogou o maço num bueiro e ficou constrangido de ter roubado

- "Foda-se!" - pensou - "O velho idiota mereceu." - mas não havia merecido. Kurt não sabia o que pensar, por isso pegou uma lata de diet coke no chão e começou a enche-la de pedrinhas.

O que era o amor afinal? Kurt amava sua mãe, e achava que amava o pai, apesar de ele parecer mais como um amigo. Mas sim, amava Mike como um amigo, logo amava seu pai também. Mas aquele amor dos casamentos parecia uma coisa diferente que ele não conseguia entender.
Mas mesmo sem entender, por que alguém se casaria por amor pra depois se separar? Aquilo não fazia sentido. Duas pessoas organizarem uma vida juntos, criarem filhos juntos, e depois jogar merda no ventilador e estragar tudo.

-"Merda no ventilador" - pensou - "É isso que meus pais fizeram".

Chegou na garagem. Nunca havia conseguido acertar as latas de diet coke nas viaturas quando era mais novo, mas com sorte encontraria uma ali. Ele sempre havia tentado acerta-las em movimento afinal.
Rondou o lugar e não achou nenhuma. Jogou a lata em qualquer lugar e se sentou na relva. Olhou pro céu e tentou achar formas nas nuvens. Mas não, também não conseguia mais ver formas nas nuvens. Nada mais fazia sentido. Até as nuvens eles tiraram dele. Idiotas. Idiotas. Idiotas!

-Kurt? - Uma voz feminina chama.

-Dolly! - Era uma garota ruiva de sardas da escola, que está sempre se escondendo pelos cantos.

-Não sabia que você vinha aqui.
-Eu venho sempre aqui.

A menina senta-se ao lado dele.  Por enquanto ficam em silêncio. Ela percebe o que ele está fazendo e olha também pro céu.

-Olha, aquela ali, não parece um coelho?

Kurt fica irritado. Quem ela pensa que é pra vir e se enfiar perto dele? Começa a procurar alguma coisa realmente perigosa pra faze-la chorar e correr, mas, ele vê, percebe um rabo, uma orelha e alguma coisa que podia ser um par de patas.
-É, err, parece sim.

-Claro que é um coelho! - ela cai deitada no chão e ri. - mas o que você está fazendo aqui?
-Estou pensando.
-Pensando em que? - ela percebe que ficou intima demais de alguém que mau conhece, e parece ficar envergonhada.

-Em pais que se separam, em pessoas que acabam com nossa vida. Em merda no ventilador.
-Seus pais não moram mais juntos? - o garoto balança a cabeça.

-Uma amiga minha falou que ouviu dizer que os pais de um garoto de Seattle se separaram, ele ficou tão maluco que pulou da janela.
-Obrigado, você não sabe como isso me conforta.
-Não tem de que.

Kurt tenta segurar, mas solta uma gargalhada, tenta disfarçar e mexe nos cabelos virando o rosto de lado.

-E você? O que está fazendo aqui?
-Oh, meu pai está bêbado denovo.
-Mas a essa hora do dia?
-É, sabe, tem horas que eu queria que ele morresse.
O garoto balança a cabeça.
-Não diga isso, você não sabe como tem sorte de seus pais morarem juntos.
-Você não sabe como tem sorte do seu pai não estar bêbado o tempo todo.

Kurt fica revoltado. Aquela garota parece dedicada a estragar seu dia. Vira a cabeça pro outro lado e fica decidido a não falar mais com ela.

Ela parece igualmente emburrada, ou apenas não liga, já que os dois se concentram apenas em fitar as nuvens. Depois de perceber o coelho parece que tudo fica mais fácil. O menino percebe um lobo, um dragão e algo que podia ser um cavaleiro medieval templário correndo para trucidar o coelho...

-Kurt?
-Que é agor...

A menina o beija.

Separam-se e ela parece um tomate de tão vermelha. O menino pensa se não é exatamente como está parecendo agora.
-Eu... é... experimentar... eu queria... experimentar...
Levanta e sai correndo.
Ele olha a garota desaparecer nos arburstos. Está completamente confuso e indignado, quem é ela pra fazer esse tipo de coisa? Quem? Oque?

Ele definitivamente odeia garotas. E as ama.

O coelho é acertado pela lança do cavaleiro.
Kurt se levanta e vai pra casa.


Comentários

Postagens mais visitadas