Sereia

 Por Antonio Fernandes


Cruzes!

Calor do nordeste 
Santa mainha nesse
Chevette quente
Ar condicionado estragado
Lata velha fudida
Toda empoeirada
Parou na estrada
Morreu
"Larga o carro aí!"
Diz o Jorge 
Andar até achar
Um posto
A gasolina é 5,80
Mas aqui vale
Igual ouro
Tolo filhote
De cruz credo
Caminha 40 graus
No deserto
Praia do lá de cá 
Areia do lá 
Di lá 
Vamo ver onde vai chegar 
Caminho lento
Caminho que treme
A bota jogada
O nome de judas
Na sola da bota
Sai uma cobra
Da bota
Caminhante errante
Passo largo
Vira passo vacilante
De repente uma cabana
Sai dela 
Uma baiana
Pelada
Cabelo de Tererê
Sardas
Mainha do céu 
O pastor avisou
Na missa de domingo
Que o diabo ofereceu pão 
À Cristo
No deserto quente
Ela sorri pra nós 
Jorge até parou
Acanhado
"Moça
- grita Jorge -
Onde fica o posto mais perto?"
"Mais 40 quilômetros no deserto"
Ela diz
Desanimo
Ela grita
"Querem comer?"
A fome
A sede 
O calor
E agora o tesão 
Dói no coração 
Entramos na cabana
Tem farofa, feijão 
"E o que é isso?"
Pergunta Jorge 
"É acarajé"
Comemos como demônios 
Calados como mineiros
A baiana nos olha
Fascinada
"Como vieram parar aqui?"
Nos olhamos incertos
"O carro inguiçô"
Jorge diz
"Voce não é muito de falar né?"
Ela olha pra mim
Lasca um beijo
Assim do nada 
Flutuo como uma flor de pequi 
Caindo da árvore
O fígado fica leve
De repente
Estalo na espinha
Sobe crescente
"É melhor irem andando"
Ela diz
"O posto está longe"
 Sorri
Que sorriso meu deus,
Meu deus que sorriso
"Essa farinha tava otima"
Digo pela primeira vez
Meio torto
Ela riu
"Não é farinha seu bobo
- me beija de novo -
É cuscuz"
Mainha de Deus
Já tô caminhando
Mais três horas
Nessa praia de deserto
E não consigo esquecer
Vou bem dizer
Sem conseguir crer
Aquele cuscuz
Que mulher!
Achamos o posto




Comentários

Postagens mais visitadas