O Homem no Metrô [reescritos]

Por Antonio Fernandes[Quinta-Feira, 29 de Abril de 2010]

A porta da estação abriu-se lenta como num filme. Entrei e sentei-me mais ou menos onde tinham me dito pra sentar.

O relógio em meu peito, escondido pelo sobretudo, marcava a contagem regressiva. Em minha mão segurava o botão vermelho pronto para dispara-lo. Suava frio nos últimos momentos de minha vida infeliz.
Lembrei-me de quando era pequeno. Eu e meus irmãos morávamos numa casinha simples que dava para uma praia onde a areia misturava-se com o deserto. Era uma vida pacata, pescávamos num pequeno veleiro do nosso pai, criávamos cabras e eramos felizes. Tirávamos leite delas todas as manhãs, nos divertíamos fazendo os camelos cuspirem, brincávamos e trabalhavamos o dia todo e não tínhamos nada a temer. Era tudo a mesma coisa.
Então vieram os homens maus. Soldados, segurando rifles M-16. Entraram em nossa casa e começaram a jogar as coisas para fora. Quando minha mãe, chorando, perguntou por que eles faziam aquilo, disseram, com voz seca, que a vila estava interditada e nós precisávamos dar o fora. Disse também que rezávamos pro Deus errado e iríamos todos pro inferno.
Minha mãe os amaldiçoou em nome de Alá e todos os seus profetas, pra depois cuspir num deles. Foi um grande erro, pois foi estuprada, espancada, e atiraram seu corpo morto dentro do nosso poço. Queimaram nossa vila. Meu pai chegou com meus dois irmãos mais velhos trazendo peixes quando a fumaça já subia das primeiras casas. Correu na direção dos soldados irado e foi fuzilado. Meus irmãos furiosos seguiram os passos dele e morreram da mesma forma.

Fui encontrado semi-morto, no fundo de destroços, nos restantes do que fora meu lar. Sem comer a dias e com o rosto todo sujo de lágrimas. As mãos com os dedos cortados por passar horas socando pedras, meu pescoço arranhado com cascas de ferida ressente e barro. Eu tentara me enforcar com minhas próprias mãos, mas não consegui.
Levaram-me para um centro educacional. Cresci com ódio dos malditos filhas da puta que mataram minha família. Estudei as sagradas escrituras, escritas pela mão do profeta Maomé, que Ele viva para sempre.
Jamais tive paz em minha vida. Nos meus pouco mais de vinte e sete anos, passei pelo menos vinte tendo pesadelos todas as noites. Sonhava que estava naquela antiga casa no deserto, e minha mãe, estuprada, espancada, e com um buraco na cabeça, vinha para perto de mim, me abraçava e me reconfortava, mas na janela da sala, lá estavam os homens maus, e eles riam, riam da minha incapacidade de salvar minha mãe e meus irmãos.
Agora estou aqui, sentado num metrô na terra de onde vieram aqueles homens. Os homens que estragaram minha vida. Por fim a palavra do maior de todos os profetas, que ele descanse em paz em toda a sua sabedoria, será cumprida. Terei minha Jihad. Terei minha paz e misericórdia e encontrarei as únicas pessoas que amei no paraíso, e então me rejubilarei com elas.
Fechei meus olhos, elaborei uma ultima prece a Alá e a todos os seus Profetas, que Ele seja sempre Justo e Honrado.
E cliquei o botão vermelho.
Pela primeira vez na vida...Tive paz.


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