Première Rencontre

Por Antonio Fernandes,  numa metalinguagem com Isabela Azevedo nesse texto aqui.


Naquela esquina, sim, pode ser. Peço minha cevada gelada enquanto tu pedes um guaraná. Falo sobre o tempo, filosofo, gesticulo e já não é sem tempo. Das notícias que o tempo trás. Revolto-me com política e futebol, pego-me fisgado por um par de olhos que me contemplam, absorvendo cada contraste roto das ideias tortas à que lhe aloco. Seguro tuas mãos como quem não quer nada, quando tento convencer-te duma ideia inovadora feminista qualquer que seja. Toco seus braços como quem não quer nada enquanto te conto meus planos, desenganos, dos meus vinte anos e qualquer coisa, planos malucos mirabolantes que levam a todos os lugares e cargos e oportunidades do mundo. Vejo-te olhar-me com olhos brilhantes como que se acreditasse em cada palavra. Paro meio torto, vejo um carro passar. Esboço um sorriso e cito um "parece dezembro, de um ano, dourado". Você me olha dum jeito engraçado, de dúvida. Eu cantarolo
Anos Dourados by Tom Jobim on Grooveshark
Sua mão é macia. Dum jeito ou de outro parece com a minha. Contemplo as curvas do rosto, do teu rosto, teu queixo, nariz, as covinhas. A maneira como a boca se contrai num sorriso. O jeito como se gesticulam os lábios enquanto fala. Enquanto fala alguma coisa. Fala.. Fala... Não sei o que falou. Meu rosto de dúvida te faz rir. Gargalhadas maravilhosas que se acanham num sorriso, e sorrio.

Ficamos imersos num silêncio. Num determinado momento tu tomas um folego, que parece demorar uns dois segundos a mais, como quem ainda pensa o que há de dizer ou não tem certeza do que dirá. Esperando uma voz baixa chego meu rosto perto do seu, sinto o calor da proximidade e quando tua voz sai trêmula, duma maneira macia e delicada desproporcional, emendo tua frase num poema de Fernando Pessoa, um pedaço de Tabacaria. Entusiasmado vou recitando-lhe num meio sorriso quase que inteiro. Numa estrofe e outra tomo um fôlego e vejo teu rosto vir mais junto do meu, duma maneira meio desavisada intencional. Teus lábios arranham minha alma num desejo visceral e controlo-me. Quero morde-los, beija-los. Saciar meus prantos e afogar-me. Mas tudo que faço é continuar num sorriso torto e olhar de aposta a recitar mais do poema.

Num aceno ao garçom vemos outra cerveja chegar, enquanto seu guaraná permanece de certa forma intacto. Talvez você o tenha esquecido, ou talvez só o tenha pedido pra me acompanhar de certa maneira. Isso me dá uma ideia, e pergunto se quer provar da cerveja. Vejo seu rosto de "argh!" e não posso deixar de rir. É bem o suficiente pra descobrir o quanto preciso então gastar uns minutos no toalete, e com sua licença, fujo para o banheiro. Passos rápidos, acelerados, e de frente ao mictório olhando a parede branca em minha mente fito: seus olhos. Em minha mente fecho meus olhos e beijo teus lábios, e sou eu primeiro, beijando e sendo beijado, e sou eu segundo, vendo beijar. Estou fora e dentro, e num todo enlevado em desejo me alço em jubilo. Minutos (minutos!) depois terminei. Lavo as mãos mas malditos! Não tem papéis-toalha nesse toalete. Puto por uns segundos saio secando as mãos na bermuda esperando que você não repare. Quando assento você ri baixinho, e não sei se de mim ou comigo. Sorrio e tomo mais um gole.

Nossas pernas se tocam. Seguro suas mãos. Os olhos se tocam e vejo tua alma. Sei que você vê a minha, e percebe. Percebe que num ponto há o garoto engraçado, por trás uma máscara e embaixo da máscara alguém que é cheio de fraquezas e puro mas confia em você. Mesmo que seja a primeira vez, confia em você e gosta do modo como você sorri, se acanha e olha para os calcanhares. Aliás é dessa forma que se comporta quando percebe minha alma, e brinco mexendo minha perna na sua e acariciando tuas mãos. Você faz como quem não quer nada, e retira um fio de cabelo seu do meu rosto. Toca também nos meus lábios. Não sei se sem querer ou se querendo, e lanço-lhe um olhar inquiridor, como quem não sabe o que há mas gostaria de saber que é.

Mas sabemos, mas sei. Você sabe. Nos beijamos então e não soou como no sonho, nem de fora nem de dentro, mas soou real. Seus lábios são mais maravilhosos do que pensei e você tem gosto de... doce? Santo Deus, que tipo de gosto de cevada...? Mas me esqueço. Sinto seus lábios se formando num sorriso. Esqueço de tudo e sou levado ao transe. Seguro-te pela nuca e beijo. Dançamos o Boléro de Ravel em nossas línguas, sonhamos e cantamos apaixonados num tapete de mágica. Somos um só pedaço de chocolate derretido. Aquilo que se pode ter de mais tolo e belo entre os jovens tolos e belos. Você é todas as canções clássicas que já ouvi, e por mais que eu queira minha máscara, para me proteger, sinto que sinto algo nascendo. Uma vontade de cuidar e causar bem. Um afago carinhoso por alguém que se torna tão mágica. Que é tão bela. Num dado momento, você sussurra em meu ouvido direito "me leve para onde quiser me levar", e eu sei que é real. Não sou só eu nesse transe, mas eu e você. Nesse momento não somos dois. Nesse momento somos mais do que mil, somos um. Sinto meu coração e o seu palpitarem juntos e decido, levarei. Levarei onde quero levar. Sei exatamente o que devo fazer. Deixo 50 reais ao garçom (que obviamente pagam a conta), agarro-lhe no colo. Atravesso o calçadão e meto meus pés na areia (com você nos meus ombros). Sua risada e voz de indignada soam maravilhosas, enquanto dá tapas fracos pra mostrar sua indignação. Atravesso a orla até o mar. Te jogo dentro d'agua. Você pula sobre mim e me derruba em tempo que uma onda me afogue. Rolo por uns segundos na areia do fundo e me levanto. Tomo folego mas antes que termine de tomar meu folego você me beija. Estamos de roupa. Estamos molhados e estamos no mar.

Numa situação como essas não há muito o que se possa fazer.
Sabe como é.
Que se tem a fazer é amar.





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