Manifesto


Por Antonio Fernandes

Aconteceu-me que no semestre passado, vislumbrando as aulas de história do direito com uma certa professora amável que muito tenho em conta, descobri coisas sobre a primeira universidade da história (pelo menos da história moderna e ocidental).

- Bolonha - fundada em 1088 por ninguém menos que seus alunos. Seus alunos! Os jovens procuraram os mestres e perguntaram-lhes se não queriam lhes ensinar. Assim nasceu a educação superior, que um milênio mais tarde apesar de deturpada, ainda resiste.

Resiste, mas deturpada. Vemos isso ao abarcarmos uma legião de alunos que pagam para não estudar (como me disse outro professor uma vez, a única prestação de serviço que pagamos mas não queremos ter) e procrastinam, matam aula e não se importam. Um conteúdo vencido, matérias que não conversam entre si e subjetivismos sobre subjetivismos intelectuais. Por fim - e o mais triste - aqueles mestres que originalmente foram convidados a ensinar, pelos alunos de Bolonha a quase mil anos atrás, continuam apaixonados por educar, vislumbrados em dar a luz às gerações futuras, mas as instituições agora os menosprezam. Mantem-lhes, os educadores, em correntes e ferro e fogo e obrigados a aceitar. Prestar continência. Serem passivos, estupidamente passivos. Amedrontados.


Me deixa triste ver os professores passivos. Se nós, jovens de vinte anos, somos a força motriz geradora de revoluções, que lutamos as guerras, invadimos palácios de governos e derrubamos ditaduras. Que afogamos a guerra do Vietnã, quebramos o pau com policiais, que mudamos e remudamos os rumos da história, não poderíamos ser menos e melhor liderados que pelos nossos professores. Que nos instigam. Que nos põe dúvidas. Que questionam conosco a realidade vigente e em outros lugares, em outros tempos, disseram-nos que fossemos as ruas e mudássemos a realidade. E nós fomos, lutamos, bradamos, e com violência - e depois sem violência - demos direitos aos negros, liberdade às mulheres, tolerância aos gays, libertamos o mundo das ditaduras até por fim a primavera Árabe e paramos o Brasil em Maio. Nós lotamos as ruas ensinados nossos professores que nos instigam a acabar com injustiças e sermos mais fortes que qualquer opressão que seja. Seja uma ordem estatal, um preconceito ou uma crueldade.



Mas nossos professores são acorrentados. Dizem-lhes o que dizer e como fazer. Se nos educam, são educados por uns outros desgraçados merdas acima deles, que tentam lhes dizer o que nos dizer e como cuidar de nós. Tentam nos arrefecer. Tentam nos deixar calmos, patéticos e dominados. Nos ensinam que somos pequenos demais (não foram os romanos os primeiros a erguer estátuas grandes para mostrar ao povo o quanto eram pequenos?) Nos ensinam que somos pequenos demais! Que não podemos mudar nossos destinos! Que nada que fizermos fará diferença porque eles, que fazem as regras e se aproveitam das regras são maiores, colossais!

E nos agachamos e lambemos seus pés em resposta? Aceitamos toda a injustiça do mundo quando nossos heróis, nossos líderes, nossos professores e mestres são castrados por qualquer tirano imbecil, idiota político velho e retardado demais pra sentir sequer um pouco de humanidade? Para perceber que tudo que os mestres querem é ensinar, e a gana e vontade que temos é de aprender, e foi pra isso, e pra nada mais, que fundamos Bolonha e todas as outras universidades depois dela. Só vontades tortas, políticas estúpidas podem querer cortar relação tão pura quanto a do aluno e do mestre - do professor - e desgraçar esse amor de mil anos.


Mateus Simões foi um professor fenomenal. Que instigou a paixão de uma legião de alunos através dos anos e forneceu - creio eu - o estopim do amor de muitos jovens pelo direito civil. Amava (e ama) a Milton Campos como um lar e costumava dizer que queria que suas cinzas fossem jogadas na faculdade quando morresse. Foi acolhido pela instituição, muitos anos atrás em seu passado cruel, que lhe tornou, imagino, o homem forte e sensacional que é hoje, e não só isso como casou-se e encontrou uma 'mãe' por trás dos nossos muros que ouso dizer, muros que se tornaram sua casa adotiva.



E o dr. sr. CEFOS o demitiu. Não vou dizer nada sobre meus instintos de jogar Molotov's, quebrar portas e enfileirar ditadores em Guilhotines - ao invés disso - vou ser direto. O Mateus tomou o partido dos alunos e dos professores para acabar com autoritarismo tirânico, pois ele acreditava, e nós acreditávamos que a Milton Campos podia ser se quisesse a maior faculdade de direito do país. Lutou pra proteger os professores de autoritarismos obrigando que apenas a diretoria - e não o CEFOS - pudessem demitir. Para mostrar que o que ele conquistou era patético - e além do mais, mostrar a todo o resto do corpo docente que não estavam seguros - o sr.dr. CEFOS demitiu nosso professor. É duma ironia sensacional, daquelas que se dá risadas largas, altas e sarcásticas, o fato duma instituição de direito agir de forma mais estúpida e tirânica quanto pode, e pior ainda, contra o interesse da sua própria excelência. Um dos melhores professores da casa foi demitido, queimado em praça pública pra mostrar a todos o pau, cacete, pica enorme que o sr.dr. CEFOS tem para queimar e expulsar e demitir quem ele quiser, e desgraçar e derrubar o Diretório Acadêmico quando quiser, cortando verbas e fodendo as pessoas que pagam e bancam aquela instituição, deixando os calouros sem calourada, os alunos sem palestrantes e fodendo toda a programação do semestre, porque nosso tirano tem o direito de fazer o que tiver vontade e mandar e desmandar dentro daquele lugar. Afinal, "le état c'est moi". "O Estado sou eu", como diria Luís XIV.



isso não é uma revolta, senhores. Não lhes convoco para por fogo na senzala. Isso é uma revolução. O mau de todo ditador é ter quem lhe menospreze, quem ria dele e lhe faça sentir pequeno. Que mostre-lhe que não tem afinal um cacete enorme, mas é só uma criança aterrorizada por aqueles que lhe aterrorizam. O sr.dr. CEFOS deve ter muito medo de nós, para gastar seu tempo e suas maquinações pensando em como amedrontar os professores para mante-los calados, como jogar os alunos uns contra os outros para mante-los quietos, quem demitir e como agir para que não seja ele a se ajoelhar e chorar.



Mas nossas armas não são rifles. Nossas armas são nossas mentes e as estratégias e atos são muito maiores quando são feitas do jeito certo. A desobediência civil venceu o Apartheid dos Estados Unidos e da África do Sul, e além disso tirou a bota britânica do pescoço da Índia. Ela funciona porque é mais inteligente que ditadores. Porque ditadores agem com medo e dominam por medo, mas se formos mais inteligentes - se formos alegres e sorridentes - e distribuirmos flores ao invés de destruir vidas (como o Jésus, como Mateus, como Cateb)  não há tirania que nos pare. Por isso proponho a simples desobediência civil. Continuaremos tendo aulas com o professor Mateus Simões. - sim, porque não? - e vamos convida-lo a palestrar suas aulas e quiçá ganhar horas extras com isso. Afinal, não foi assim que nasceram as universidades? A história se repete e nós, alunos, convidaremos o mestre para nos educar. E sim, deixaremos o tirano frustrado por não poder se livrar dele. O professor Mateus Simões pode ser demitido mas o advogado Mateus Simões pode ser convidado pelo DACON para palestrar, duas vezes na semana, sobre a matéria de "obrigações". E não importa se um tirano pense que pode exila-lo de nós, essa terra é nossa. Nós fazemos a Milton Campos. Nós SOMOS a Milton Campos e o professor que NÓS amamos nos ensinará, se quiser.


Porque essa é nossa casa. 

Tenham um bom dia.








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