Doce

Por Antonio Fernandes

Outro dia desses
entrei no alambique
pra fazer experimentos
peguei um bocado de medo
liguei o fogaréu
derramei o medo num
béquer
aqueci
condensei, resfriei
destilei
puro
num outro vasilhame
colhi todas as suas dúvidas
colhi todas as suas incertezas
tudo que poderia dizer
que eu e você
não seriamos assim
carne na carne
sangue no sangue
feitos , você sabe
um pro outro

Num segundo experimento
mergulhei uma solução salina
em raiva
aproximei do fogo
e uma enorme explosão tomou conta
do meu laboratório
das cinzas, fumaça
cheiro de ovo podre e espirro de boca suja
voltei para a mesa, e solto, no baquer
estava uma bela porção
de medo

Peguei minha substância mais perigosa
Amor
juntei-a com duas pitadas de desejo
gratinei por cima um bocado
de vontade
fatiei, piquei e coloquei
um bocadinho
de vaidade
duas xícaras de chá
de olhares apaixonados
duas colheres
só duas colheres
de ciúmes brabo
levei ao forno, deixei 40 minutos
quando tirei, fumegando
fresquinho
estava você
você por inteira!
deixou de ser laboratório
virou culinária
Mas deus do céu
que docinho maravilhoso!



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