Pergaminho Queimado

Por Antonio Fernandes

certa vez uma boneca de pano
dessas
que entendem das coisas
falou a um sabugo pedante
qualquer coisa que assim:
"Uma verdade nada mais é
que uma mentira
bem contada"

Tudo é oculto
o sentido 
da vida
escrito numa lingua 
que já ninguém sabe ler
foi posto em qualquer coisa como livro
e escondido em qualquer coisa
como uma biblioteca
num reino afundado de Atlântida
que ninguém sabe onde está
a verdade
obtusa corda musical
que tem cheiro de dor
e hálito de dragão
paira nos ventos
de outra dimensão
num lugar
onde não ouso alcançar

tudo que eu já soube
estava errado
tudo que eu sei
nunca será mais que
um achádego
posso estar sonhando
que estou acordado
tanto quanto
posso estar acordado
dormindo
sonhando com algo
lúcido
que almeja ser
não tanto quanto uma verdade

certa vez
eu encontrei uma verdade
não estava fora
como voce possa imaginar
estava dentro
eu
que não tenho olfato
pude sentir um sabor
diferente
no ar
é que dentro de mim
havia um fogo
mas havia um fogo
que não sei como
não me incendiou
(ou talvez tenha incendiado?)
o amor é uma verdade
que nos ocorre 
mas acontece
como um relâmpago
nos atinge
como um touro
logo a razão
os medos
devaneios e minha velha amiga
a solidão
fazem passar
essa verdade que é o amor
e todas as verdades
que a razão me conta
todos os pânicos
que o medo me faz admitir
todas as masturbações filosóficas vãs
que os devaneios me incutem
todo o vazio imenso
que a solidão me 
trás
são verdades de Emília
jamais passarão
ou deixarão de ser
qualquer coisa
que não
mentiras bem contadas


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