A Caminhada da Vida

Por Antonio Fernandes

Numa bela manhã de sol você chega a base de um morro, ao olhar para cima encontra o topo logo ali, ao alcance de alguns minutos de caminhada. Para não ficar fora de forma, se alonga, enche seu cantil de água numa fonte próxima, e coloca sua mochila, relativamente leve, nas costas; começa a subida. O céu está azul com nuvens espaçadas, proporcionando um clima ameno e fresco à manhã; o sol brilha no horizonte pouco depois de nascer, os pássaros cantam e tudo é alegria.Você vai subindo feliz, suas pernas descansadas vencem a distância fácil, e rapidamente você chega ao que achou ser o topo do morro.
Ao chegar nele, descobre que existe apenas uma falha de terreno, e há uma distância duas vezes maior até o “verdadeiro pico”.
Você fica um pouco aflito, pois não esperava esta nova distancia a ser percorrida, mas dá de ombros e volta a caminhar, sendo jovem e forte consegue isso facilmente...
No meio da trilha, com os pássaros cantando e a sinfonia das árvores sendo forjada pelo vento soprado delicadamente nelas, você encontra algumas pedras que lhe chamam a atenção.Gosta imediatamente delas e as põe na mochila, tornando essa um pouco mais pesada.
Após novos minutos de caminhada, se aproxima do pico, e ao cruzá-lo, uma surpresa. O morro não acabou. Ele apenas deu uma nova guinada e continua logo à frente. Você terá a mesma distância que a anterior para percorrer, porém, agora o morro se tornou um pouco mais íngreme.
A aflição aumenta, a caminhada está sendo muito maior do que você esperava. Porém, é um jovem forte, e não serão alguns poucos quilômetros que irão lhe parar...
Você dá uma pausa de 5 minutos, para descansar os músculos, descobre uma fonte próxima e enche novamente seu cantil, encontra outras pedras, mais bonitas que as anteriores e as coloca na mochila para levar para casa, reforça alguns alongamentos e volta a caminhar.
Vê o topo na mesma distância que antes, porém, a subida agora é mais íngreme e ela lhe cobra mais esforços. Escorrega numa pedra solta, rapidamente se recupera e continua subindo. Isso é desafiante, mas não empecilho para a força de sua plena juventude. E a manhã vai chegando ao fim...
Após grande esforço, vai ficando cada vez mais aliviado por ver o topo logo ali, mede novas energias, dá um novo pique, e quando finalmente cruza com o que seria o fim... Outra surpresa...
Há uma nova elevação... Duas vezes mais íngreme, e duas vezes maior... Seu cantil já vai à metade e não há fonte de água próxima, além disso, as pedras pesam na sua mochila.
No mesmo instante que pensa em desistir, sua consciência o desafia, não será aquilo que irá pará-lo. Você é mais forte que alguns metros em subida...
Uma nova pausa de 10 minutos, você relaxa e limpa o suor. Apesar da mochila já estar pesada, encontra algumas pedras preciosas! As outras eram bonitas, porém comuns, estas são safiras inteiras, medindo quase o tamanho de um ovo. Você se maravilha com elas, e as põe na mochila, embora o peso.
Após o descanso, toma um fôlego, olha para cima, seus olhos se encontram com o sol quase a pino, apesar disso consegue enxergar finalmente o topo. E novamente, começa a caminhar...
Com o sol beirando o meio dia, a temperatura é escaldante. A água já está nos últimos goles, é necessário racioná-la; a mochila parece duas vezes mais pesada do que é, devido ao seu cansaço, porém pensa no lucro que irá obter com a venda das safiras, e não abre mão do peso.
A caminhada é árdua e você tropeça meia dúzia de vezes. O suor aflora de sua pele como uma nascente, e aos poucos você começa a se perguntar por que está tendo aquele trabalho todo...
Não se lembra o porquê de estar fazendo aquilo... Simplesmente começou a subir, e no meio do caminho decidiu que, independentemente de onde fosse o fim iria chegar lá. A ideia de desistir beira a sua mente, mas rapidamente você a afasta... Aquilo é um desafio, e você adora desafios.
E finalmente alcança aquele novo topo, e não fica surpreso ao encontrar uma distância três vezes maior e quatro vezes mais íngreme para subir...
Você despenca no chão bufando, aquela caminhada o consome, o sol é escaldante e a água acabou. Deitado fica lá, meio morto, e ao olhar para o lado descobre uma maravilha...
Pepitas de ouro! Inteiras... O chão é todo delas, dourado, brilhando ao sol. Seu cansaço simplesmente desaparece... Rapidamente começa a encher a mochila. Contudo, vê que não vai conseguir vencer aquele novo desafio se lotar sua mochila com tais maravilhas... Com tristeza se desfaz das menores, ficando apenas com as grandes e belas.
O ouro lhe dá novas energias, você levanta, tira o pó das calças, olha para aquele morro quase íngreme, e retoma a subida...
O sol chega às 3 da tarde, o horário mais quente do dia. Os pássaros já não cantam nesta altitude, não há mais árvores. apenas pedras... Sua mochila o puxa para baixo, mas, ferozmente, você a desafia e continua marchando... Para onde? Não sabe, só sabe que deve marchar, aquilo desafia sua alma. Simplesmente não pode parar...
Os segundos se tornam minutos, os minutos se tornam horas, e as horas se arrastam pelo tempo... O pico se mistura ao sol, e você não consegue destingi-lo do resto... Simplesmente caminha estafado e orgulhoso demais para voltar...
Enfim, apesar de sua mente não desistir, seu corpo cede, e você cai de joelhos, seus ombros estão em carne viva, não conseguem suportar o peso de tudo aquilo que foi coletado ao longo do caminho... Retira as pedras de menor valor e as joga fora, mantendo a mochila, antes cheia, agora pela metade...
Seu esforço simplesmente para ficar de pé, novamente, é estrondoso. Mas após isso, respira profundamente e recomeça a andar... As horas se arrastam, e todas as forças da natureza clamam para que desista, mas você é orgulhoso demais para isso...
E a caminhada chega ao fim, você alcança outro topo, desaba no chão... Desmaia de cansaço...
Horas correm , toda a jornada passa pela sua cabeça... As primeiras pedras, o canto dos pássaros, o som das árvores, o primeiro tropeço... As primeiras gotas de suor... Você sonha com tudo aquilo... E enfim, acorda...
Já é noite, após muito esforço encontra uma lanterna em sua mochila, e a acende. simplesmente não consegue enxergar nada, retira o colchonete, e dorme novamente...
Os raios de sol o acordam... Você levanta e olha ao redor, tem uma triste surpresa...
Não chegou ao topo. É muito pior do que isso, uma parede de pedra se estende montanha acima, até um pico muito alto...
“É impossível”, pensa, “não há como ser feito”.
Olhando à volta, descobre uma fonte de água jorrando ali perto, rapidamente corre até ela e a bebe com vigor, molha a cabeça e esfrega água nos braços, já vermelhos de insolação. Na base da parede, há material de rapel. Uma corda e alguns pinos para ir fincando na pedra ao longo do percurso, alem de uma picareta para abrir buracos nas pedras...
Você olha para aquele material e dá uma risadinha... “não tem jeito, é grande demais”
Você encara a parede, encara a corda e encara os próprios pés. Dá um suspiro e medita: “cheguei até aqui não foi?”
Abre a mochila e olha aquilo que você coletou ao longo do percurso. A tristeza o consome, mas não há como levar as preciosidades todas... Pensando nisso, tira o necessário e joga a mochila penhasco abaixo, vendo as pedras coletadas com tanto afinco se espalhando, rolando, e voltando às suas origens.
Arranca a própria camisa e a parte em duas, enrola nas mãos para não machucá-las, amarra a corda em volta da cintura, prende o primeiro pino à corda, encontra um bom apoio na parede, e começa a escalar.
A cada cinco ou seis metros você prende um pino à pedra, num buraco que já existia. Alguém já esteve ali antes e preparou a parede para sua chegada, que alivio...
Você vai subindo. A força gasta pela sua perna é medonha... Seus músculos protestam.. Mas seu orgulho fala mais alto, e a escalada continua... Até que chega a um ponto onde não há mais buracos prontos... Seja lá quem veio antes de você, desistiu ali... Apesar das forças minadas, você insiste em ser melhor do que quem o precedeu. Retira a picareta das costas, faz um buraco e enfia a estaca de proteção com todo o vigor.
A cada cinco ou seis metros, você tem que cavar um buraco na pedra, e isso destroí suas energias, cada vez mais...
Seus braços, volta e meia se emperram, sua perna grita de dor... Mas você segue firme e forte. Até que ocorre um inconveniente...
As estacas acabam... Você tem uma difícil escolha a fazer, zelar pela sua segurança, e voltar, ou continuar sem corda nem estacas pelos últimos 1/3 da subida...
Alguns segundos se passam enquanto você remói essa duvida, mas o orgulho e a temeridade finalmente falam mais altos, e a jornada prossegue...
A corda é abandonada balançando... A ultima estaca jaz fincada em seu limite. Ela representa o fim da segurança, de quando você podia simplesmente desistir e voltar. Dali para frente, só existe a vitória, ou a morte. Você apostou fichas demais para fugir do jogo agora...
Sem ter que cavar para fincar as estacas, você ganha mais tempo, porém sua energia já está quase toda gasta. O suor cega seus olhos, a camisa já não serve para quase nada, seus joelhos estão em carne viva, a sola de seu sapato simplesmente ficou em algum lugar 50 metros abaixo.
E você não desiste, por alguma razão, seu lado animal berra em seus timpanos, e com garra vê o pico se aproximar, lentamente, pedra a pedra, centímetro a centímetro, e ao mesmo tempo em que pensa em desistir, você se empolga...
Até que sua mão alcança uma base lisa, você a pressiona e consegue pôr o cotovelo, empurra com a perna e passa a cabeça, depois o tronco, uma perna, outra perna, dá uma rolada para o lado, e desaba em cansaço...
Seus olhos, antes cerrados, se abrem, e você se depara com um magnífico céu azul... as aves pequenas não chegam a estas alturas, pois são tão perigosas para você quanto para elas... Mas uma águia, com todo o seu esplendor, plana logo acima, ela é esplêndida.Um símbolo de liberdade. Uma maravilha sem fim. Simplesmente perfeita.
Seus músculos relaxam... Pouco a pouco você se levanta, as costas ardem fazendo-o dar uma careta, finalmente fica ereto, e se descobre olhando para o lugar de onde veio...
Lá longe, abaixo, você vê os arvoredos de onde saiu. A fonte está lá, correndo. Você vai acompanhando sua trajetória com os olhos, cada caminho, vê o local onde tropeçou, os lugares onde parou; consegue enxergar até uma ou duas trilhas mais fáceis que poderia ter pegado... Lá de cima, no topo do mundo, tudo parece mais fácil. Olhando para os desafios que já venceu se sente merecidamente o mais poderoso ser da terra.
Uma dúvida toma a sua consciência... Para que você fez toda aquela caminhada? Qual foi o motivo de ter andado aquilo tudo, vencido tanto chão, tantas pedras, peso, sede, e altura? Por que você teve toda aquela luta?
Uma luz retorna ao seu pensamento, e se lembra de por que está ali, o motivo de toda aquela guerra pessoal. Cheio de empolgação deixa aquilo que ficou para trás, atrás. Volta-se em direção àquilo que tanto almejou, que tanto batalhou para conseguir...
Vira-se, observa, e aprecia. O doce sabor da vitória.
O que você viu?
Não sei, isso cabe a você responder...



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