Dog Fight

Por Antonio Fernandes

Personagens reais, cena fictícia.



Primeira Parte




Jagdstaffel Elf, Áses da primeira guerra mundial. Da esquerda para a direita: Sebastian Festner, Karl-Emil Schäfer, Manfred von Richthofen, Lothar von Richthofen e Kurt Wolff.




Os coturnos de couro pretos faziam soar passos fortes que marchavam decididos pelos corredores extensos e vazios. Era alto, loiro e muito branco, quase pálido. Usava um sobretudo preto amarrado a cintura e apesar da sua coleção de condecorações, se limitava a usar a cruz de ferro preza ao peito, entregue pelas mãos do próprio ministro da guerra dois anos antes.
As ordens, traduzidas do morse, eram claras. A batalha em Champagne estava feia nas trincheiras, os "britische schweine" - porcos ingleses - estavam se divertindo fuzilando alemães do ar. A ordem partira diretamente do general do exército para abater o mais rapidamente aquela ameaça.

Manfred von Richthofen era tudo, menos idiota. Ele havia percebido que os ingleses haviam posto sua cabeça a prêmio, já que bastava entrar em combate para todos voltarem suas metralhas contra ele. Idiotas. Já havia abatido treze desses entusiastas em oito "dog fights", e não se importava se a coroa inglesa perdesse mais das suas preciosas libras tentando mata-lo. Iria trucidar todos.

Pôs a mão na boca para conter um bocejo enquanto puxava a alavanca e escutava a sirene tocar. Eram 5:43 das matinas e o barão estava num humor irônico quase alegre. Iria colocar seus meninos pra trabalhar.


Lá fora soldados rasos começaram a correr como formigas em todas as direções. Cinco aviões, quatro Albatroz D III, rápidos e leves, seguidos do legendário Fokker Dr 1 triplano, o avião vermelho que causava pesadelos nos garotinhos ingleses. Saíram antes das luzes do sol e se exibiam como as devassas nuas de Munique.

Para a surpresa do comandante, seus quatro subordinados já estavam enfileirados em posições de sentido aos pés da bandeira alemã. Ele deu um sorriso divertido, era um bom dia.

 - Jagdstaffel Elf!

- Sim Senhor! - gritam em uníssono.

- Festner! - Aqui senhor. - Schäfer! - Às ordens Barão. - Wolff! - Presente senhor. - Richtophen! -  Aqui irmão, qual é a diversão pra hoje?

- As crianças de Yorkshire estão gastando munição com trincheiras em Champagne, nossas ordens são para ir lá brincar com elas.

-Senhor... Senhor! Permissão para falar senhor.

- Diga Kurt.

- Isso cheira a merda no ventilador.

Manfred gargalha.

- Porque Wolff?

- Não tem sentido gastar nossas balas de 20mm com recrutas que não valem o que comem. Eu acho... acho que é uma armadilha para abater o senhor.

-Sua genialidade me impressiona Wolff.

O magro e pálido Segundo-Tenente Kurt Wolff enrubeceu.

-Vamos lá mesmo assim senhor?

-Quando nossos colegas nos chamam no portão para brincar Kurt, é pouco cavalheiresco da nossa parte deixa-los lá fora esperando. Dez minutos para se organizar, levantamos voo ao amanhecer.

- Sim, Senhor! - em uníssono.

- Dispensados.

Os pilotos saíram em direção ao quartel, menos Lothar, que agarrou o braço do oficial:

- Nós estamos nisso juntos desde que a guerra começou, eles estão te caçando a pelo menos cinco combates, tem certeza que quer ir atrás deles?

O barão parou e encarou Lothar nos olhos.

-Você se lembra das cavalgadas em Kleinburg com nosso pai Loth?

-É claro que lembro.

- O que ele dizia sobre cair de cavalos?

- Não se pode cair de cavalos. Quando cair, é melhor que morra, mas morra como herói.

- Eu me sentiria um miserável se com todas as minhas condecorações ficasse em terra para preservar a minha vida. Não Loth, meu lugar é no front. Nosso lugar é no front, e é pra lá que vamos. Já passaram três minutos.

Lothar sorriu para seu irmão mais velho, se virou e foi para o quartel junto dos outros. Manfred sentia medo, claro. Mas quem é que não sentia? Aquilo era a guerra, e só os tolos não tem medo da guerra, mas só os covardes fogem dela. Ainda se lembrava quando comandados por Oswald Boelcke vira seu irmão seguidamente abater aviões e continuar atirando maniacamente, fazendo todo o possivel para trucidar também os pilotos. Bastou que colocassem os pés em terra para que Manfred, enfurecido, espancasse o caçula até sangrar.  Muito tempo já havia se passado, apesar disso eram só dois anos. Só dois anos! A guerra fazia o tempo se arrastar.

-Senhor!

Um recruta prestava continência.

-Diga soldado.

Despaches da resposta do general senhor!

O Barão pegou o papel. Era o que ele imaginava. Doze águias britânicas haviam sido avistadas, e sabia lá Deus quantas outras estavam esperando para entrar no combate. Seria um dia difícil.

-Soldado, mande despaches para as bases de "Jagdstaffel Sieben", "Jagdstaffel Neun" e "Jagdstaffel Fünf". Pergunte aos irmãos quantos pássaros eles podem colocar no ar em nossa ajuda até o fim do dia.
Dispensado.


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As quatro aeronaves se encontravam paradas a beira da pista de decolagem. A primeira, pertencente a Karl-Emil Schäfer, tinha a palavra "Kempf" pintada de preto nas duas laterais. A segunda nave, de Sebastian Festner fora pichada "Zwerg Heftigen" - Anão Feroz - devido a sua baixa estatura, mas ele gostou do apelido e o deixou lá. A terceira donzela da pista era o Dragão Fokker, o monstro triplano vermelho que pertencia ao Barão, seguido ainda da aeronave do seu irmão caçula com espadas cruzadas no rabete e o avião de Kurt Wolff, tatuado com um lobo. Era a esquadrilha que mais havia abatido ingleses e franceses na guerra. Eram os Áses do Barão Vermelho, e ele, o Ás dos Ases, os levava a glória. Era invencível e acreditava acima de tudo na própria sorte. Os ingleses podiam mandar dez mil pássaros, pensou, iria caça-los como fazia com seu pai no lago Külle. Iria caça-los todos.


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obs: As palavras dentro de asteriscos indicam conversas por rádio.




*Torre* Torre de comando para Barão Vermelho, responda Barão Vermelho. Cambío.

*Barão* Estou na linha.

*Torre* Tempo nublado com ventos noroeste como é de costume. Sua direção é 49° 20' 37''N, 5° 48' 42''E, Há uma base aérea francesa a 70 milhas oeste das trincheiras, e suspeitamos de duas bases britânicas em algum lugar das proximidades. Suas ordens são para localizar as bases inglesas e abater quantos aviões puder. Cambio.

*Barão* E os despaches?

*Torre* "Neun" receberam ordens de combater mais ao sul hoje, houve uma investida relâmpago de tropas nas trincheiras por lá. "Fünf" confirmaram três pássaros que devem chegar em 2 horas. "Sieben" tem 7 caças em operação atrás das linhas inimigas e vai manda-los assim que possível. Cambio.

*Barão* Mais alguma informação torre?

*Torre* Nenhuma Comandante. Cambio.

*Barão* Permissão para decolagem.

*Rádio* Permissão concedida Major, vá com Deus. Cambio desligo.



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Já havia 53 minutos que os aviões estavam no ar. Voavam em formatura cadenciada, apesar de quando em quando Wolff se afastar para executar um ou outro parafuso, resultando num aparente enfurecido Manfred mandando ele voltar à posição. Apenas aparente, ele estava de bom humor demais para se preocupar com as travessuras do sub-oficial. Enquanto isso Lothar e Karl se divertiam contando piadas pelo rádio, uma ocupação nada militar.

*Lothar* Já ouviu aquela do caçador austríaco Emil?

*Karl-Emil* É a que você estava contando para as prostitutas em Raunheim?

*Lothar* Não, aquela é a do francês comunista, idiota. Dois caçadores estavam caçando nos arredores de Viena no inverno, quando um deles não aguentou e congelou. O outro desesperado, pega o rádio e entra em contato com ...

*Karl-Emil* Rádio na floresta?

*Lothar* Cale a boca e escute. Eles por acaso eram pilotos e sempre andavam com seus rádios. Mas então. Ele pega o rádio e contacta o hospital, e diz "Ei, por favor, meu amigo congelou!" No que eles dizem do outro lado "Tenha calma senhor! Tenha calma! Primeiro certifique-se de que ele está morto mesmo." Há uma pequena pausa na linha, e em seguida se escutam dois tiros, no que o caçador volta para para o rádio e diz "Pronto, e agora?"

*Kurt Wolff*  Essa é a piada mais velha que eu já ouvi.

*Lothar* Cale a boca Kurt, sua mãe não te ensinou a respeitar os superiores?

*Festner* Aposto que esse caçador saiu de Londres. Só fazem pessoas estúpidas em Londres.


*Barão* Atenção senhores. Nossas coordenadas se encontram às 11 horas e devemos chegar lá em aproximadamente 10 minutos. Quero meu irmão e Karl pela direita, e Festner e Wolff pela esquerda. Eu atravessarei o teto de nuvens e atacarei por cima. Karl e Wolff. Mantenham voo avançado baixo para servir de iscas, quando os britânicos caírem em vocês quero Lothar e Festner arrancando lascas deles.

*Festner* Você vai morrer sufocado lá em cima, comandante.

*Barão* É o que veremos.


Era uma vista espetacular das ricas terras de Champagne disputadas pela Alemanha e França desde o princípio da guerra. Já nessa altura, quase tudo ali já era apenas ruínas, as cidades estavam destruídas e algumas milhas para trás estava a trincheira que se alargava por toda a fronteira. Ainda assim era sempre lindo ver tudo de cima. A paixão pelo ar. Os pássaros blindados que voavam em direção as suas presas. Um belo dia.




*Barão* Suas posições senhores, que Deus esteja com vocês, boa guerra.

Em seguida puxou o manche fazendo o avião subir enquanto observava seus garotos se organizarem mais em baixo. Parou um pouco antes do teto, já que subir mais era ficar sem ar. Mesmo ali ele sofria ferozmente de frio e sufocação. Calculou talvez 40 segundos acima do teto antes de escolher o melhor ponto para mergulhar e entrar no combate. Era uma tática velha, mas os novatos ingleses sempre caiam nela, o que já custava um ou dois abates logo de cara.

*Kurt Wolff* Eles estão em cima de mim! (tiros) Estou sendo alvejado! Mei Dei, Mei Dei  Zwerg Heftigen!

*Festner* Relaxe Wolff, você está gritando feito uma velha. E "anão feroz" é o seu cu.


O barão fechou os olhos, rezou, e subiu.






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Festner mergulhou atrás dos dois caças ingleses, marcou um deles e abriu fogo continuo. Eles haviam surgido de uma nuvem e haviam ficado aparentemente surpresos ao ver Kurt voando sozinho partindo atrás dele. Atitude típica de novatos, já que bastaria uma olhada para cima para perceber o avião de Festner mijando suas cabeças. Agora era tarde demais. As munições de 20mm zuniam nas orelhas do britânico que a essa hora já devia ter se cagado todo. Uma das balas acertou o tanque e a asa direita entrou em combustão, fazendo o avião cair em parafuso deixando um rastro de fumaça cortando o céu.




*Festner* Inglês abatido. Cambio.

Virou o manche e se tentou captar o segundo, mas foi só para ve-lo executar um loop lateral e chegar sendo alvejado. Numa rápida olhada o piloto alemão vê mais três naves inglesas surgindo e indo atrás de Wolff, o lobinho ia ter que se cuidar.

O inglês terminou seu loop lateral apenas para descobrir que seu adversário havia embicado o avião em quase queda livre. Empurrou o manche e partiu na direção dele. Os dois aviões caiam praticamente à 90°. Sebastian Fest conseguiu pegar o idiota na pegadinha mais velha do mundo. Volta aos 180° e observa o inglês descobrindo que não havia como tirar seu avião de queda livre. Dois abates em menos de um minuto. Era o Anão Feroz.



Wolff estava basicamente fazendo drama. Era o melhor acrobata da Europa e sabia disso. Percebeu os três aviões vindo em sua direção e começou a ganhar altitude, mas reduziu o motor para deixa-los chegar mais perto. Quando estavam suficientemente perto para começar a tentar alveja-lo, virou o manche colocando seu Albatroz a 12 horas, viu os motores pesados ingleses perdendo sustentação, executou o loop completo e inverteu a direção. Um deles desceu em queda livre, enquanto um segundo teve o piloto fuzilado e caiu desgovernado, mas de algum jeito Kurt passou direto pelo terceiro, levando alvejamento a queima roupa. De algum modo o segundo avião havia se safado da queda livre e voltou pra cima dele. Gritou rapidamente um "Mei Dei!" no rádio e começou manobras evasivas de todos os tipos possíveis.

Numa curva percebeu que havia levado sua nave longe demais. O motor não aguentava mais manobras e iria estancar. Os dois ingleses se cruzaram e começavam a voltar para terminar o serviço.

E um deles é alvejado literamente de cima perdendo o piloto instantaneamente fuzilado, enquanto o segundo foge pela direita o quão rápido consegue. O barão trava voo ao lado do seu subordinado, olha para ele, ri, e diz no rádio.

*Barão* Mei Dei copiado Tenente. Cambio.


Os aviões de Lothar e Karl surgem pela direita. Malditas nuvens - Pensa o Barão - Visibilidade totalmente defasada. Mas nem isso é capaz de tirar seu bom humor.


*Lothar* Vejo que vocês andaram se divertindo - falou não sem um pouco de ciúmes na voz - mas como alguém aqui tem que fazer o trabalho direito, descobrimos uma base aérea inglesa a 5 minutos daqui. O porco inglês que vocês deixaram escapar está inclusive se dirigindo para lá.

Boa e má noticia - pensa Manfred - a boa é que haviam conseguido encontrar uma base aérea na região de Champagne, o que era um pouco mais difícil que achar uma agulha num palheiro. A má é que o piloto fugitivo iria avisa-los, e eles estariam preparados.



*Barão* Vamos rapazes, o dia mal começou.




To be continued....



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