Ser

Vi os olhos dos lobos.
Farejam.
Olhos dos lobos.
Escutam.
Lobos.
Rosnam.
Talvez saibam onde estou.

Corro, os lobos tem pernas.
A selva atravessa-me.
Há pessoas na selva.
Pessoas que choram.
Os lobos tem pernas.
Apenas duas, e me perseguem.

Corro, os lobos tem braços.
Passo por casas que incendeiam.
Há mulheres nas casas.
Mulheres e fumaça.
Elas gritam.
Os lobos tem braços e dedos.
Eu tenho apenas coração, e me perseguem.

Corro, os lobos tem armas.
Passo por uma cidade onde os prédios caem.
Há um velho parado,
no meio da rua.
O velho me olha, e seus olhos suplicam.
Mas lobos vem vindo,
os lobos tem armas.
Eu tenho pernas, corro, e o velho morreu.
E os lobos me perseguem.

Corro, os lobos tem bandeiras.
Uma pátria, um ideal.
Os lobos possuem um ideal.
Eu tinha um coração, corro.
Não tenho mais um coração,
ele morreu com o velho, mordido por lobos,
morri com os velhos, comido por balas.
Os lobos lutam por um mundo melhor.
E me perseguem.

Encontro uma arma. Corro.
Há mais deles atrás de mim,
eles farejam, eles escutam, eles rosnam.
Há outros como eu, que foram mortos,
seus corações tomados, e choram,
como eu choro. Se juntam a mim.
Os lobos perseguem. E temos armas.

Atiro.
Ele cai no chão.
Grita, como outros gritaram.
Chora e suplica por sua mãe, diz que tem filhos,
uma esposa
que o ama.
Alguém pra quem voltar.
Um lobo nos meus braços.
Atiro. E mato.

Eu e os outros, de corações roubados,
Matamos os lobos. Perseguimos os lobos.
Veja como correm, veja como choram,
E eu, tomado por fúria
os mato, aniqui-lo.
Os lobos tem casas, tem família.


Passo pela floresta deles, pelas casas deles, pelos prédios deles.
Agora tenho uma bandeira, uma pátria, um ideal.

Tornei-me um deles.
Talvez seja humano agora.


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