Sete de Novembro

Por Antonio Fernandes


Briguem! Briguem! Eles estão bebendo nosso sangue! Briguem! Briguem! Eles estão bebendo nosso sangue!


 Vasilissis Sofias estava apinhada aquela noite. Não que não estivesse sempre apinhada, você sabe. Horários de Rush são comuns em todo lugar do mundo. Mas havia milhares de nós daquela vez. Digo, milhares. E eramos milhares mesmo. Eramos um povo. E estávamos revoltados.

-Viva a revolução! - Gritou um jovem exaltado.

Tudo bem que era uma crise, mas seria uma revolução? Bom, talvez fosse. Aquele próximo pacote seria nosso fim, diziam. O maldito pacote. Odiado pacote. Não haveria ariano classe média que aguentasse as medidas do governo. Seriamos reduzidos a um país de terceiro mundo, os primeiros da união européia e três mil anos de história a ruírem definitivamente. A própria queda do mundo ocidental.

Uma mão foi posta em meu ombro.
-Vamos, é agora.

Confirmei. Então havia começado. Tirei a mochila das costas e cobri-me com minha guy fawke. Saquei dois molotovs e pus-me em ação.

Máscara Guy Fawke













A ideia havia começado pelo facebook. Um garoto exaltado de Creta havia proposto uma "luta armada". Poucas pessoas depositaram fé em tal iniciativa. Eu principalmente. Não haveria pessoa que se desse ao ridículo daquela cena. Seriamos espancados. Aquelas armas? Bobagem, eu disse.
Não era bobagem, outro concordou, e endossou, e brigou. Discutimos e logo tudo fazia sentido. Era uma ideia genial, em síntese. Nos dividiríamos  em batalhões responsáveis por cada tipo de arma e atacaríamos o congresso no dia da votação. Mas alguma coisa dentro de mim dizia que tudo daria tremendamente errado.

Era um plano perfeito, em todos os detalhes.


Em frente ao congresso, a tropa de choque caminhava devagar. Homens desumanos com escudos de vidro. Alguns montados a cavalo. Quando digo desumanos, eram realmente desumanos. Ainda nascerá um policial com um pingo de humanidade. Com um pingo de caráter. São todos uns porcos, uns animais. Basta da-los a menor brecha para descontarem todas as frustrações de suas vidas no povo inocente. Haviam espancado meu pai até a inconsciência alguns meses atrás. Eu havia dito a todos que era ridículo lutar contra a natureza deles. Era isso que havia dito nos debates. Eles não teriam bom senso, eu disse. Iriam nos espancar.
E Deus nos ajudasse se eu estivesse certo.


-Por Grécia!
Era o sinal. Corri, fechei os olhos e arremessei.

Graffiti de Banksy - Bristol UK















Joguei meu buquê de flores, e ele, junto a pelúcias, travesseiros e balões d'água acertaram a muralha armada. Joguei mais um buquê. Rosas, tulipas e violetas disputavam o ar. Lá se foi uma cabra de pelúcia acertar um policial montado. Um esquadrão de "Free Hugs" surgiu correndo da massa. Garotas de dezoito ou dezenove anos, sorriam e corriam para os braços dos policiais. Fitava uma delas, que ia a frente. Era jovem, talvez ainda mais nova que a idade que havíamos permitido. Seus cabelos encaracolados adejavam em corrida e ela sorria de maneira tão vertiginosa, e corria de modo tão belo que seria difícil resistir. Será? Meus dotes de homem também me obrigaram a reparar que não apenas em rosto, era perfeita em todos os detalhes.
Respirei fundo, era agora.

Todos confusos demais. Esperavam choque, luta, sangue, um dia de trabalho, como todas as outras lutas contra o povo e não pelúcias. E não flores. Olharam indecisos uns aos outros, mas foi um deles, um grandalhão musculoso, que tomou a decisão final.

Jogou o escudo no chão, ajoelhou e abraçou a garota loira. Todas as respirações presas foram liberadas em unissomo.

 Riam, o capacete rolava e o bastão jazia esquecido. Outros policiais deporam armas. Abraçaram outras garotas. Caminhei incrédulo saindo da multidão, saquei um ursinho na mochila e joguei num policial. Ele riu, pegou um travesseiro no chão e jogou em mim.

Era tudo anormal demais.

Aquela cena. De opressores e oprimidos andando juntos. Abraçados. Conversando calmamente e cantando músicas da nossa pátria grega. Alguém estourando uma garrafa de Champagne e os brados se espalhando. Garrafas de vinho eram repassadas de mão em mão, dei um gole numa e entreguei a um sargento montado.

A festa tomava conta de todos. Crianças e velhos saíram as ruas, jovens se beijavam freneticamente. Balões de gás hélio subiam ao céus com "viva a revolução!" emoldurados. Era um dia de luta. Mas uma luta pela fraternidade, não de sangue. Não de irmãos contra irmãos.

Era um filme.

Caminhei passando pelo portão. Estava em estado de choque. Lá em cima os parlamentares também festejavam. Riam, contavam piadas e convidavam-se para seus respectivos Iates e ilhas aos fins de semana. Desculpavam-se uns aos outros por afrontas passadas e juravam que lutariam, de agora em diante, juntos em favor da Grécia.

Numa mesa central, como se esquecido, estava o pacote. Folheei, dei uma olhada. Era tudo tolo demais. Como uma nação um dia poderia ter cogitado aceitar aquilo? O que a algumas horas havia formentado meu coração em ódio agora me fazia rir como uma piada. Gargalhava. Um banqueiro chegou ao meu lado. Gargalhava comigo, rimos juntos até que percebi que ele também chorava. Transtornado com aquilo, perguntei-lhe o que havia.

- Onde uns ganham, outros tem que perder. - Me disse.

Ele havia ficado pobre. Ria comigo e havia ficado pobre.
Aquela frase ficou comigo, sabe? Uma boa proposta nunca agradará a todos.

"Onde uns ganham, outros tem que perder."

Mas quem ganhou haviam sidos os fracos, e quem perdeu haviam sido os ricos, de modo que parecia justo. Parecia justo que as coisas se acertassem. Que no fim, todos fossemos igualados perante os valores franceses. Liberdade, fraternidade, igualdade. Talvez... talvez quem sabe levássemos essa revolução ao mundo? Bom, essa noite eu iria festejar. Claro. Fora um dia complicado afinal, mas... Se levasse essa revolução ao mundo... me pergunto.

Vocês viriam comigo?!



"I hope some day i'll join us..." - John Lennon


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