Um terço de mim é morte, dois terços é poesia

Por Antonio Fernandes

Um cigarro é um luxo do tamanho certo.
carburado, quente enfumaçado.
Sob as vestes negras da morte numa deliciosa sobre-vida vivida.
Seis cigarros matam-nos por dois minutos.
Não seria melhor dizer, que três deles
nos tiram um?

E como meus big macs
trago-os escolhendo minhas
lentas mortes a suicidar-me.
Comer big macs é cometer suicídio?
É disso que aquele Ronald tanto ri?
Das mortes que causa?
Está lá rindo-se das crianças que aprisiona?

E o alcool nos priva de sofrer.
deglutido e vomitado de volta,
nem mesmo realmente o queremos,
pois se não, por que o vomitaríamos?

E leio páginas de outros que morreram e morro um pouco mais nelas.
Morro nas páginas dos mortos que me escrevem,
de suas vidas antepassadas
onde sonharam tanto quanto redijo agora.

E os podres nos matam do coração,
os mendigos nos matam do coração,
sofrendo sozinhos num terror de escuridão,
aprisionados no âmago do capitalismo insole.
Insolente. Inocente.

Meu jeito animal me mata em tal realismo,
absoluto. Absolem. Absolutista.
Tirânico ensimesmado.
Enciumado dos comunistas tão solenes,
que tem sonhos bonitos que não conseguem
tornar reais.

E morro de amores por ela.
Assim como outros morreram de amores também.
de paixões romezianas
shakesperianas,
nepelianas,
napolitanas.

Morro de produtos industrializados,
drogas industrializadas,
carros industrializados,
armas industrializadas,
guerras industrializadas,
e convivo com pessoas
industrializadas,
maquinamente criadas
e forjadas, e concebidas, e calculadas
por suas televisões e facebooks.

Morro de sociedade industrializada,
que não mais sabe
não mais, sabe
sabe não mais
ser natural, e simples e comum
morro dela também, pois me irrita.

e irritado morro, e enfurecido morro
morro de raivas da estupidez humana
morro de raivas da minha estupidez humana
morro de raivas da minha estupidez.

E sou enterrado com os outros,
sou enterrado com meus pais, sou enterrado com você
com meus tios meus parentes meus cachorros,
meus cachorros de milhões de cachorros
desprezados mau tratados mau cuidados
que vagam nas lixeiras do mundo a fuçar seus ossos velhos
pois é o que deixamos aos cachorros
ossos velhos.

Morro de acidentes.
da vida, da máquina, da natureza.
morro do acidente do carro e do acidente biológico
biotecnico bionaturalisticamente concebido
para ser máquina.

Morro em meu celular que radiações me emite,
morro de produtos manufaturados
morro tanto que nem sei mais como não morri

lendo Drummond, lendo Pessoa,
pois é na poesia onde mais morro,
e foi na poesia onde mais vivi.
e é na poesia onde mais vivi.
é na natureza onde mais vivo,
mijo nos carpetes de seda
mas vivo no bailar de Tchaikovsky
No romance de Bukowski
na estrada em Kerouac.

Vivo nos amores carnais do sexo,
nas relações interdisciplinares que cultivo de amigos meus
nas contemplações filosóficas da alma
que tantos mortos antes de mim filosofaram
e viveram
e estiveram,
e morreram,
filosofando pelo puro filosofar
de não mais desejar saber
do que saber
pelo saber
pois não é que Hume tinha razão?

Nada existe.
E acendo mais um cigarro.





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