Decepção

Por Antonio Fernandes

Nunca termino de pagar
pelos meus pecados
eles parecem me assombrar
retornam com essa sensação
esquizofrênica
de cortar pedaços de mim
em pedaços
essa necessidade de sangue
novamente a faca não corta
os arranhados não são suficientes
Slipknot não é mais suficiente
não há barulho no mundo que
abafe a sensação de
querer estar morto
de não haver pedaço de mim
que não seja ódio
de ser julgado sem tribunal
por aqueles que nada fizeram
fácil julgar atos feitos
avisados consultados
e até perguntados
pregos que se destacam
são martelados
e cansei disso
vou martelar a mim mesmo
destroçar cada vil pedaço da
expectativa que criei em torno
de um outro eu
aquele que deseja fazer o certo
e é desprezado ignorado
e posto de lado
rabiscos da vingança são inúteis
nenhuma vingança no mundo
realmente pune
não existe livramento da sensação
de querer justiça
não há nenhuma justiça no mundo
para ninguém
a vida faz aquilo que ela faz e mais fácil
é viver como os tolos lhe dizem
faça o mínimo o suficiente
e será recompensado passando
despercebido
destacar-se é dar vazão
a fraqueza do outro de não tendo feito
porra alguma
julgar os atos praticados por você
que teve as melhores intenções
ouvi do pensador tempos atrás
de boas intenções
morreu Hitler
e todos os que fizeram como ele
estou abandonando as boas intenções
cansei de alimentar o prazer alheio
em destruir tudo e não construir nada
em não agir por bem nenhum
e agir em meu mal
tenho estado completamente perdido
entre a lealdade que devo
a esta faca de serra de dois gumes
sentada em minha frente
e a esperança de ser forte o bastante
para passar por tudo isso
talvez uma corda seja uma saída
mais honrada mais justa e mais eficaz
nascemos para sofrer
e vamos sangrar e doer enquanto estivermos vivos
o paraíso não existe
deus está morto
e só o que há é o diabo a destroçar
a carne podre do que resta em mim
não tenho mais forças nem energias
para carregar esse fardo grosso
desprezado e idiota
como é a vida
não quero existir dentre a pessoas tão porcas
novamente me vejo rodeado
de nenhum amigo com quem possa
compartilhar a dor de estar vivo
de ser algo que sofre, chora
cansado de sangrar do prazer alheio
de odiar quem merece ser odiada
por ter destruído tudo e tirado tudo de mim
cada pedaço cada gota de vontade
explorado meus sentimentos meu amor
explorado cada gama que existe
tenho medo que outros façam do mesmo
volto pra casa, largo a razão na soleira da porta
que serei disso que penso ser
eu que já nem sei o que sou
sou restos de vontade com pedaços de esperança
esse coração tem tantos pedaços
que nem sei quais colam por onde
que lealdade terei a qualquer que seja
se perdi qualquer lealdade por mim
uma única pessoa me destruiu
e ela pagou crua e nua
por toda a maldade que semeou
mas a vingança parece pouca
a dor parece enorme
merecia muito mais
ainda assim o destino não lhe fará pagar
como deve
ainda que eu procure justiça nos cosmos
na vida pós mortem ou na seleção natural
ela continuará sendo o monstro que é
e destruindo outros por onde passar
e eu continuarei sendo o fraco
patético explorado destronado acabado
perdido mediocre infeliz idiota
que sou
é possível ter tudo no mundo, ser parte do universo
e ainda assim se sentir completamente
apático aquém e não conectado a ele
neste momento estou absolutamente sozinho
os que penso ter talvez só me queiram
pelas suas próprias loucuras e seus próprios medos
a existência pura e simples nada mais é
que um complexo de decepções e traumas reunidos
de dez mil hipocondríacos alcoólatras
cheiradores de pó viciados em sexo
podres ignorantes vis débeis
perdidos em devaneios de poder razão e dinheiro
incapazes de situar qualquer situação
que não sejam suas próprias situações
apavorados com ausências que não existem
temerosos de qualquer coisa que reflete hoje
o passado podre de suas próprias existências
o ser humano em si é um ser torto
vazio idiota ignóbil
vejo todos atravessados
olho olhos e consigo perceber sentimentos
que lhes carregam o peso amassado da fonte
que lhes cunharam
os olhos esquerdos sempre a razão
os olhos direitos sempre a emoção
e perdidos em meio aos olhos
criam decisões pútritas, fétidas
jaz a destruição e abandono de tudo
o que um dia o amor e a vontade
daqueles que fazem decidiu cunhar
estou farto disso
estou farto de todos
tenho me decepcionado à vida
como tenho me decepcionado cada um de vocês
estar entre outros é ser decepcionado incessante
conviver é um risco absoluto do sofrimento
perdido em meio a pensamentos quero me cortar
quero apagar a chama do cigarro em mim mesmo
quero queimar toda essa dor
e toda essa depressão
para fora de mim
quero virar espírito e do espírito me fazer nada
e viver o sono dos milhões de dias para sempre
eu não quero morrer
mas as vezes gostaria de não
ter nascido

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