O povo das matas

Por Antonio Henrique

Quando eu era garoto, minha Avó me levou para uma aventura. Nós atravessamos as matas, riachos, e caçamos por 3 ou 4 dias nas matas, até que ela me levou ao ponto mais distante que alguém de nossa tribo já tinha ido.
Então escalamos uma das magníficas arvores de Arrow Guaraci, o Deus da vida e de todos os seres vivos, que a muito tempo criou as matas para que o bicho-homem pudesse cuidar.
No topo da árvore, eu achei que devia ser o garoto que já havia ido mais alto no mundo. Dali, eu podia ver tudo. Podia ver o grande rio até onde nãoo enxergava mais. Parecia impossível que o mundo fosse tão grande.
Então minha Avó me contou uma história. Ela era uma descendente direta de Nanderuvuçu, nosso Pai Antepassado, por isso era a chefe da tribo. Eu, como seu herdeiro, iria liderar quando crescesse, sob as graças de Arrow Tupã.
Minha Avó contava muitas histórias, mas eu jamais vou me esquecer das palavras dela, no alto daquela árvore magnífica, no coração da casa de Arrow Guaraci, o senhor das florestas.
Ela falou que a muito, muito tempo, nosso povo vivia tranquilo e feliz, com nossos irmãos. Cultivando a terra e aproveitando o que as plantas tinham para nos oferecer.
Apesar de uma ou outra briga entre as tribos vizinhas, nossa vida era calma e cheia de alegrias. Os guerreiros tupis dos nossos ancestrais eram um dos mais fortes da região, por isso raramente eramos atacados, assim podiamos sempre plantar em paz.
Mas foi então que, onde o grande rio-pai desaguava, no lugar onde as águas não tinham fim, vieram em casquinhas de madeira, os Homens-Brancos.
E os Homens-Brancos começaram a matar os nossos vizinhos, e começaram a nos matar. Eles violaram a casa de Arrow Guaraci, e mataram os macacos que pulavam de um galho para o outro, e fizeram deles... casacos.
Então, nosso ancestral, o Bisavô do Avô de minha Avó, juntou toda a nossa família, e por 80 dias e 80 noites eles viajaram pelas matas, sempre a beira do grande Rio, passando por tribos desconhecidas e animais ferozes, até chegar a um ponto tão distante, que jamais o Homem-Branco iria conseguir nos achar.
Então minha Avó falou, que aquilo que mais temiamos a gerações, aconteceu, os Homens-Brancos nos acharam, e um deles havia falado com ela.
Ela me falou que o homem dizia se chamar Coronel Paulo Ricardo. Um dos nossos irmãos havia encontrado ele no meio da mata, com coisas estranhas no corpo, e com uma cor de pele diferente.
Minha Avó me falou que, assim que soube da notícia, ficou aflita, e foi logo ver o que o Homem-Branco queria.
Ela me falou que o ser, que se chamava de Coronel, disse que, a partir daquele momento, eles iriam derrubar as grandes árvores da casa de Arrow Guaraci, para plantarem algo que ele chamou de "Soja".
Minha Avó falou para ele que ninguém, exceto Arrow Tupã, tinha permissões para violar a casa de Arrow Guaraci, e que Homem-Branco só derrubava as grandes árvores por cima do nosso povo.
Então Homem-Branco deu uma risada para minha Avó, falou que voltava daqui 12 dias e 12 noites, e foi-se embora.
Minha Avó me falou que os guerreiros da tribo estavam se preparando para lutar com Homem-Branco, mas que eu, ainda era pequeno demais, e ainda não tinha virado homem, nem guerreiro.
Mas, como eu era o herdeiro direto de Nanderuvuçu, nosso Pai Antepassado, eu deveria pegar uma faca para caçar, um arco, e fugir para as matas, e viver, mesmo que toda nossa família morresse.
Minha Avó, no topo daquela árvore, sob a vista de toda a casa de Arrow Guaraci, a Floresta-Mãe, me deu as armas, e me desejou boa sorte. Então descemos de lá.
Ela me mandou fugir, e foi embora.

Eu não sabia o que fazer. Estava com ódio dos Homens-Brancos. Não podia abandonar minha família, mas ao mesmo tempo, não podia desobedecer uma ordem de minha Avó.
Resolvi voltar para nossa tribo. Segui os rastros dela, até chegar nas matas onde eu conhecia. Tocaiei até próximo a nossa casa, encontrei um lugar escondido como o caçador Butúie havia me ensinado, e fiquei olhando.
Minha casa pegava fogo, alguns dos nossos irmãos estavam caídos no chão, com buracos nos peitos, de onde saia a essência de suas vidas. As mulheres da tribo gritavam, e minha Avó confrontava o homem branco que viera da ultima vez, dizendo que, se ele saísse agora, Mãe Arrow Guaraci não iria fazer nada com ele.
O homem riu, tirou um pedaço de ferro e clicou.Ouvi um grande barulho, e o peito de minha Avó começou a derramar a vida dela. Fiquei desesperado. Saí do meio das árvores com meu arco em punho, e soltei uma flecha que se cravou no pescoço daquele maldito Homem-Branco que tinha mandado a alma de minha Avó para junto dos nossos antepassados.
Um dos outros Homens-Brancos veio na minha direção, mas eu saquei minha faca, e com golpes rápidos abri a barriga dele, vendo suas entranhas se derramarem e o homem chorar de dor, desviei e corri para o próximo.
Com o rosto sujo de lágrimas, pulei em cima dele, e urrei com toda a força de meus pulmões , em nome de Arrow Tupã, o Deus dos Raios e dos trovões, e esfaqueei o maldito Homem-Branco.
Nesse momento, ouvi um grande barulho novamente, e senti que algo havia me picado na barriga. Minhas forças instantaneamente desapareceram, e eu caí no chão, sem conseguir me levantar.
Os homens brancos estavam com raiva. Eu havia matado o chefe deles. Mas agora, eles iam tirar minha alma, e devolve-la para Arrow Rudá, a deusa do amor, que cuida das almas de todos aqueles que já não estão entre nós.
Minhas forças se esvaíram, e eu fui fechando os olhos lentamente. A ultima coisa que ví, foi o corpo de minha Avó no chão, sendo consumido pelas chamas. Posso jurar que ví ela me dizer, alí caída. "Tenha forças meu garoto, tenha forças".
Por fim, tudo ficou escuro. Minha alma se transformou num lindo beija-flor, e foi voando para junto de Arrow Rudá, num mundo bem distante e longínquo daqui. Onde as Grandes Árvores jamais irão cair, e o Grande-Rio corre eternamente e alimenta toda a vida ao seu redor.

Foi assim que minha tribo morreu.

Isso realmente acontece.

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Comentários

  1. Nossa,adorei esse post. confessso que no início achei que era uma história ficticia mas ao passar do tempo a história é tão envolvente que nos leva a imaginar que ela só pode ser verdadeira.
    Menino,você realmente tem talento com as palavras e espero ver novos posts tão bons quanto esse.
    Beijos e sorte ;*

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  2. que lindo, adorei também... Triste, porém a verdade, e uma lição, de que pra se conseguir o que se quer é preciso lutar, e nem sempre vencemos todas as batalhaa...

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  3. O post. tá muito booom, ADOREEI meesmo. [:

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  4. Achei mt bom o texto literário épico, provavelmente isso acontecia mt no passado.
    Mt triste a história no final...Que mostrou que a vida é feita de escolhas e esse menino fez uma escolha, morreu com honrra e dignidade de ter voltado lá para ajudar aos outros...+ quando ele voltou já era tarde. Nem sempre as histórias acabam com um final feliz como nós queremos.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Jéssica
    Existe um bom motivo para eu ter escrito "Isso realmente acontece." E não "isso realmente acontecia." É pelo fato de que, cenas como essas, ainda são, infelizmente, realidade na Amazônia.
    Observe no texto que deixei claro o fato de a invasão ser devida a intenção de se plantar Soja. A plantação de soja na Amazonia hoje, é uma das atividades que mais devasta terras, e vem expulsando indios a niveis consideravelmente perigosos, além de que, volta e meia, os agricultores reunem grupos armados para atacar as aldeias. Foi um desses grupos que foi citado aqui no texto.
    Essa é uma realidade tão atual quanto qualquer outra questão, apesar de a mídia dar pouquissima atenção a ela.
    Espero que tenha entendido ;D
    Por um mundo melhor,
    O Autor

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  7. Muito bom cara, gostei da maneira que vc escreveu ^^

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  8. Oi,
    Eu adorei a história, você realmente tem talento.
    Porém tenho duas observações a fazer:
    1ªNo trecho "Ela falou que 'A' muito, muito tempo, nosso povo vivia tranquilo e feliz, com nossos irmãos." , o certo seria "Ela falou que 'HÁ' muito, muito tempo, nosso povo vivia tranquilo e feliz, com nossos irmãos."

    2º E nesta frase "Posso jurar que 'VI ELA' me dizer, alí caída.", o certo seria "Posso jurar que 'A VI' me dizer, alí caída."

    Só isso, de resto parabéns e muito sucesso.
    ;)

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  9. hmm você me pediu para ser crítica, então eu vou ser o mais parcial possível.
    Seu texto é mt bom, percebe-se que você o fez com muita vontade e pesquisa; mas fique atento nos erros de ortografia, concordância e coesão que podemos observar ao longo do texto!
    É claro que o mais importante você já tem: criatividade e vontade, mas a ortografia é uma questão super importante, até para informar e ensinar os leitores.
    Sobre o assunto: é bom ter muito cuidado quando aborda-se uma questão tão social e polêmica quando os índios. Deve-se procurar, pesquisar e aprender o máximo possível, antes de querer concretizar algo! Existem vários pontos de vista, e é bom deixar bem claro que este é somente o seu.
    No mais, está tudo bem da minha parte! Seu texto foi muito bem elaborado e merece uma atenção maior.
    Parabéns e sucesso ;*

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