A viagem do menino

Por Antonio Henrique

Ele subiu no caminhão junto com aqueles homens barbudos e grandes. Tinha medo. Não tinha mais que 9 anos de vida, mas tinha uma pequena idéia de para onde o destino iria leva-lo.
Outros 7 ou 8 garotos da sua idade, com os rostos sujos de fuligem, resquícios de uma noite de choro, estavam subindo no caminhão também.
E que noite. Talvez a pior que ele já tivesse passado. Ele e os garotos foram trancados num quarto a parte, enquanto os adultos se embebedavam no outro cômodo. A noite já ia tarde, quando um homem apareceu e vomitou em cima deles, riu e chutou o pâncreas do garoto, que gemeu, mas teve o bom senso de ficar quieto.
Apesar de tudo, ele sabia que aqueles homens eram tão vitimas quanto ele. Haviam sido tirados dos seus pais na infância, e postos pra trabalhar naquela escravidão desde cedo.
O garoto ainda se lembrava quando aquele homem mau veio a sua casa e falou com seus pais. Na epoca, ele e os outros 12 irmãos estavam passando por sérios problemas financeiros, e constantemente eles passavam fome em casa. Era terrível quando as irmãnzinhas mais novas choravam, e eles não podiam fazer nada a não ser consola-las.
Então, seus pais venderam ele e um irmão mais velho, de 12 anos, para o homem mau, que os colocou no carro com um sorriso estampado na cara, e o bolso um pouco mais cheio. Ele e seu irmão haviam sido comprados por míseros 50 reais.
Mas, o garoto sabia, seus pais não tinham opção. Era vende-los e sobreviver mais alguns meses, ou morrer de fome dentro de umas poucas semanas.
Agora ele e o irmão estavam ali, entrando no caminhão. Num canto, as caixas continham aquilo que, ele sabia, viria a odiar em algum momento de sua vida. Facões.
Facões para cortar cana atrás de cana, debaixo de um sol desolador, até todo o seu corpo doer, e você não suportar mais, e mesmo assim, ter que continuar cortando, e sempre que você fraquejar, sentir um chicote estalar nas suas costas, para te lembrar que você não é mais uma propriedade de você mesmo.
O motor ligou, e o caminhão começou a se movimentar. Os garotos sujos de fuligem não tinham idéia do que o futuro reservava para eles. E ele, o único que sabia o que aconteceria...

Preferia não ter descobrido...

E o sol raiou nas grandes planícies do vasto nordeste brasileiro.

Isso realmente acontece.

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