A Pequena Vendedora

Por Antonio Fernandes

Era uma garotinha feia. Tinha cabelos crespos e mau lavados. Na verdade, eu diria que aqueles cabelos nunca haviam sido lavados, e a terra se acumulava em meio aos fios, de um modo grotesco e rude. A pele, de um moreno forte, quase negro, também não ajudava na beleza da garotinha. Seus olhos grandes e profundos olhavam os carros que passavam na rua. Carros caros, carros baratos, motos, ônibus e caminhões, e ela só ficava ali parada, esperando, com sua caixinha de doces na mão.
Suas roupas eram rasgadas, e haviam perdido a cor havia muito. o rosto estava meio sujo de fuligem, os dentes eram tortos e desalinhados.
De repente, os carros pararam, o sinal havia fechado, era uma chance para conseguir um dinheirinho.
Ela não iria usar aquele dinheiro para comer. Não, ela tinha que dar o dinheiro ao moço grande e mau. Era um homem alcoólatra, que descobria garotinhas orfãs, ou até sequestrava algumas, e as punha para trabalhar para ele nos sinais, havia umas 40 garotinhas, sendo que cada uma devia ganhar em torno de 60 reais por dia. Era um lucro extremamente fácil e grande, para um homem que não fazia absolutamente nada, apenas supervisionava as crianças, e as espancava ocasionalmente caso conseguissem pouco dinheiro.
A garotinha foi até o primeiro carro. Era um Uno, e um homem, que devia ter uns 40 anos, pobre, mas trabalhador, estava ao volante. Ele olhou para ela, deu um sorriso e balançou negativamente a cabeça, logo em seguida virou para frente.
A garota foi até o carro de trás, um eco esporte. Para sua felicidade, o garoto, de uns 20 anos, vestindo uma camisa polo, comprou uma de suas balas. A boca da garotinha, com dentes tortos e mau cuidados, reluziu num sorriso de pura êxtase, um sorriso de criança, de garota. O sorriso de alguém que sonha em ainda ser alguém.
O outro carro era um Civic prateado, polido até brilhar. Ao volante, estava uma mulher linda, cabelos loiros, de um rosto que parecia esculpido por anjos. Óculos escuros mascaravam o rosto dela. As mãos que seguravam o volante exibiam jóias caríssimas, e seus brincos eram duas brilhantes verdadeiras.
A garotinha chegou na janela, e olhou para a moça, mas ela aparentemente não há tinha visto. A menina bateu duas vezes no vidro, tentando chamar a atenção daquela raínha de orgulho e poder, mas a mulher, apesar de ter exibido uma certa irritação por ela ter tocado em sua carruagem, continuou fingindo que a menina não existia. Era um orgulho inflado de um ego que a muito havia sucumbido ao sistema.
O sorriso que a garotinha tinha adquirido a pouco, desapareceu. Ela desistiu da mulher malvada, e seguiu andando para o próximo veículo, mas, descobriu alguma coisa estranha.
No banco de trás do Civic, uma garotinha a encarava. Era uma menina loirinha, com os cabelos penteados em cachos, friamente trabalhados no salão de beleza. A garota, que tinha aproximadamente os mesmos 8 anos que pequena indigente, tinha olhos grandes e azuis, e um rosto angelical, que deixaria qualquer um tocado com o simples olhar daquela menininha perfeita.
As duas pararam e se encararam. Os olhos negros de uma nos olhos azuis de outra. o Ápice da aristocracia encarava a mais baixa das infelizes indigentes. Cada uma das garotas imaginando como seria a vida da outra. Elas não tinham como imaginar. Eram duas inocentes, que seriam tragadas por um sistema duro e cruel, e se um dia, 20 anos depois, se encontrassem de novo, naquele mesmo sinal, não se reconheceriam.
O sinal do trânsito abriu. O civic partiu para não se sabe onde. E no fundo do carro, a garotinha dos olhos azuis olhava a garotinha dos olhos negros, que ficava para trás, ficava para o que a sorte lhe reservasse.
A menininha voltou para a calçada, sentou e chorou. Ela não sabia por que, só sabia que queria chorar. e Chorou. Um choro que apenas uma criança inocente, que só queria poder brincar e rir, pode chorar.

Isso realmente acontece.

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Comentários

  1. Parece um carinha do Hitman Reborn Katakeyo que tem uma parte parecida com Sharigan e outra normal

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